sexta-feira, 23 de fevereiro de 2007

Do Trabalho Escravo ao TRabalho da Mulher

Waldemar Rossi do Correio da Cidadania* Pelo atual regime, a mulher pode solicitar sua aposentadoria com cinco anos a menos de trabalho em relação aos anos de trabalho exigido para o homem. Nada mais justo se considerarmos que, salvo raríssimas exceções, a mulher que trabalha fora do lar de fato exerce uma jornada dupla, uma vez que historicamente assume também as funções do lar. Tentar reduzir essa diferença, assim como os quatro meses de licença maternidade, é cometer mais uma enorme injustiça social, é aumentar as desigualdades. Creio que os leitores estejam acompanhando a agenda do governo federal (Executivo e Legislativo) e, portanto, a par das informações que nos chegam a cada dia. Cabe a essa coluna comentar assuntos dessa agenda que estejam relacionados com os interesses dos trabalhadores. Por isso, de posse de duas informações recentes, comento a questão do futuro próximo do trabalho em nosso país e sua repercussão na vida do nosso povo. O ministro da Previdência, Nelson Machado, acaba de anunciar que o Fórum da Previdência - criado por Lula para debater mais uma reforma na área - deverá discutir o conteúdo de uma nova proposta para modificar, mais uma vez, o instituto da Previdência Social. Todas as questões serão ali debatidas por empresários, representantes das centrais sindicais e membros do próprio governo. Como já comentamos em outros artigos, já sabemos que será uma goleada contra os trabalhadores, porque são "três" componentes que defendem o mesmo lado, isto é, estão todos de acordo que é necessário eliminar direitos dos trabalhadores para que as empresas tenham melhor desempenho financeiro, quer dizer, maior lucro. Entre os "pontos delicados" que serão discutidos, segundo o ministro, entra o tempo de trabalho (quantidade de anos) para que a mulher possa alcançar a sua justa aposentadoria - para a qual contribui compulsoriamente. Pelo atual regime, a mulher pode solicitar sua aposentadoria com cinco anos a menos de trabalho em relação aos anos de trabalho exigido para o homem. Nada mais justo se considerarmos que, salvo raríssimas exceções, a mulher que trabalha fora do lar de fato exerce uma jornada dupla, uma vez que historicamente assume também as funções do lar: manutenção do lar, alimentação, cuidados com os filhos e com o marido. Embora todos esses trabalhos estejam voltados, na sociedade capitalista, para a produção dos bens do capital, esse trabalho caseiro não é considerado para fins de remuneração nem do seu justo descanso, após vários anos de labuta incansável. Há, porém, um terceiro fator que justifica esse benefício que a mulher desfruta, essa diferença em relação ao homem: ela é a geradora da mão-de-obra que o capital necessita, carrega em seu ventre, durante nove longos meses, aquele ser que um dia será um dos responsáveis pela produção geradora das riquezas capitalistas. São nove meses de gestação e uma vida inteira voltada para o desenvolvimento do seu filho e a manutenção de sua saúde, de sua vida. Entretanto, são minoritárias as mulheres casadas que geram apenas um filho, o que, portanto, faz com que sua vida seja muito mais sacrificada que a do marido e dos próprios filhos. Logo, tentar reduzir essa diferença, assim como os quatro meses de licença maternidade, é atentar contra a vida e a saúde das mulheres, é cometer mais uma enorme injustiça social, é aumentar as desigualdades. Curioso que um dos argumentos usados é de que isso já ocorre em outros países, como México, França e Alemanha. Ou seja, se lá podem cometer uma injustiça, aqui também podemos. No entanto, nos países europeus, por exemplo, o salário mínimo gira em torno dos mil Euros, cerca de R$ 2700. Mas esse exemplo não serve para nós! Outra falácia usada para "justificar" tais reformas é de que essas mudanças diminuirão o rombo da Previdência. Por que o ministro não manda executar as grandes empresas sonegadoras do instituto? São mais de R$ 200 bilhões. A sonegação gigantesca e os saques que o governo faz para compor o famigerado "superávit primário" são os verdadeiros vilões previdenciários. Mas insiste-se em culpar os trabalhadores. Por falar em "culpar" os trabalhadores, o Congresso Nacional acaba de aprovar projeto de lei criando a Super Receita, acompanhada de uma emenda - também aprovada - que, na prática, impede os fiscais de trabalho de autuar uma empresa por prática de trabalho escravo. Diz a emenda que a autuação só poderá ser feita com a decisão da Justiça. Mais uma sacanagem da corja lá instalada, envolvida em incríveis falcatruas, como a da sanguessuga e do mensalão. Esse é o preço que estamos pagando por eleger quem não conhecemos e muitos conhecidos financiados pelo empresariado inescrupuloso e faminto de lucros. Dizem os jornais que o ministro do Trabalho, Luiz marinho, vai pedir ao presidente Lula que vete a emenda, até porque as centrais sindicais são contra e a emenda é inconstitucional. Duas perguntas, já que dizem que perguntar não ofende: o Marinho vai fazer isto realmente? E o presidente, vai atender? É ver para crer! *Waldemar Rossi é metalúrgico aposentado e coordenador da Pastoral Operária da Arquidiocese de São Paulo.

terça-feira, 13 de fevereiro de 2007

Condepe cobra respostas à onda de violência de maio de 2006

Em novo livro, Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana critica ausência de informações sobre inquéritos concluídos e pessoas indiciadas pelas mortes de policiais e civis ocorridas entre 12 e 20 de maio de 2006. Bia Barbosa – Carta Maior (do site) São Paulo – Esta semana, como resposta ao crescimento da violência no Rio de Janeiro – que teve como fato mais chocante o assassinato do menino João Hélio Fernandes, de seis anos, na última quarta-feira (7) – a Câmara dos Deputados deve votar sete projetos de lei relacionados à segurança pública: cinco deles propõem a alteração de dispositivos do Código de Processo Penal e os outros dois endurecem as penas para autores de crimes considerados hediondos. Não é a primeira vez que a resposta do Poder Público a crises na segurança se faz através dos chamados “pacotões” de leis. Pontuais, na opinião de especialistas do campo, eles dificilmente dão conta de provocar as mudanças estruturais necessárias ao enfrentamento da violência no país, que requerem medidas mais complexas de execução – mas, também, mais eficazes. Basta olhar o resultado concreto obtido com o pacote de segurança aprovado pelo Congresso logo após a onda de violência que atingiu São Paulo em maio do ano passado. A violência não diminuiu, e as 493 mortes por armas de fogo ocorridas entre os dias 12 e 20 daquele mês continuam sem explicação. É isso o que mostra o livro “Crimes de Maio”, lançado na última semana pelo Condepe, o Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, de São Paulo. O livro recupera o trabalho e a história da comissão independente – integrada por representantes do Ministério Público Federal, do Conselho Regional de Medicina (Cremesp), da Defensoria Pública, da Ouvidoria das Polícias, além de várias entidades defensoras dos direitos humanos – formada para apurar tanto os crimes cometidos pela facção PCC (Primeiro Comando da Capital) como aqueles que decorreram da reação da polícia aos ataques do crime organizado. Segundo a então secretária de Justiça e da Defesa da Cidadania de São Paulo, Eunice Aparecida de Jesus Prudente, o livro é uma obra de reflexão sobre a dicotomia violência/poder público. “Sobre como essa parceria acaba instituindo uma perversidade-de-mão-dupla, quando o canal escolhido é o abuso”, explica. E, como demonstram todos os estudos e levantamentos publicados em “Crimes de Maio”, foi este o canal escolhido pelo governo de São Paulo. No dia 1o de setembro de 2006, o Cremesp apresentou ao Ministério Público Estadual, ao Ministério Público Federal e à Defensoria Pública do Estado de São Paulo o relatório final da análise dos 493 laudos necroscópicos referentes ao período, coletados nos 23 IMLs do Estado, cujas necropsias associaram a causa mortis como decorrente de ferimentos por arma de fogo. O relatório complementou a análise quantitativa realizada anteriormente, já entregue às autoridades no dia 12 de junho, acrescentando informações como perfil das vítimas de ferimentos fatais por projéteis de arma de fogo; avaliação do número total de disparos que produziram ferimentos; regiões corporais atingidas e distância estimada do disparo. Segundo Desiré Carlos Callegari, presidente do Cremesp, entre os mortos de maio houve a prevalência do sexo masculino (96,3%), sendo apenas 18 mulheres (3,7%). A maioria das vítimas era jovem (45% com idade entre 21 a 31 anos; 16,5% entre 31 a 41 anos). Para um total de 493 vítimas, ocorreram 2.359 lesões a tiros. A média de disparos que levaram à morte foi de 5,8 por óbito o dia 15 de maio (máxima) e 3,7 tiros no dia 12 de maio (mínima). Quanto à proximidade, os disparos foram dados a longa distância em 87,42% dos casos; a curta distância em 10,34% e encostados em 2, 23%. Os ferimentos ocorreram principalmente no tórax (30,48%), seguidos pelos ferimentos na cabeça e pescoço (27,51%), nos membros superiores (16,57%); no abdome (14, 45%) e nos membros inferiores (9,87%). São consideradas áreas vitais o crânio, o tórax e o abdome. Dessas 493 pessoas mortas, 46 teriam sido vítimas criminosos que atacaram agentes públicos (23 policiais militares, 7 policiais civis, 3 guardas municipais, 9 agentes de segurança penitenciária e 4 cidadãos comuns). Dezessete seriam presos rebelados. Cento e nova seriam criminosos ou suspeitos mortos em confronto com a polícia (ocorrências registradas como “resistência seguida de morte”). E 87 pessoas, incluindo agentes públicos, teriam sido mortas por assassinos não identificados, com indícios de execução e denúncias de participação de policiais nas execuções (ocorrências registradas pela polícia como homicídio com “autoria desconhecida”). O perito criminal Ricardo Molina de Figueiredo integrou a Comissão Independente e encarregou-se de analisar os laudos onde constava “resistência seguida de morte”. Foram 124 pessoas com essa justificativa entre os dias 12 e 20 de maio – o maior número registrado até hoje em tão pouco tempo. A análise dos dados colhidos nesses 124 laudos revela três aspectos importantes, ressaltados pelo perito: que a maioria dos disparos atingiu as vítimas em regiões de alta letalidade; que grande parte das vítimas apresenta entradas de disparos com baixa dispersão, ou seja, com pouca distância entre eles, e que houve um número expressivo de disparos com direção “de cima para baixo”. “A combinação destes fatores aponta para situação mais compatível com aquela típica de execução e não de confronto com trocas de tiros, movimentação de atiradores, etc. Na situação de confronto os três aspectos acima são improváveis, mesmo se os considerarmos isoladamente. Como ocorrem, em muitos casos, simultaneamente, podemos afirmar que houve execuções”, afirma Molina, referindo a cerca de 60 a 70% dos casos registrados como “resistência seguida de morte”. As investigações da comissão independente também indicaram que a polícia não preservou o local dos crimes para a realização de perícia e que testemunhas não prestaram depoimentos à polícia. “Tais atitudes evidenciam a incapacidade oriunda de inércia, negligência, parcialidade ou falta de vontade política de o Estado brasileiro, por suas instituições e autoridades, levar a cabo, em toda a sua extensão, a persecução penal, especialmente no que tange às tarefas decorrentes da atribuição das polícias”, critica no livro a Secretária Executiva do Centro Santo Dias de Direitos Humanos, Adriana Loche. “Estes episódios são emblemáticos, pois revelam as características de uma política de segurança baseada no autoritarismo e na repressão arbitrária, cuja eficácia se mede pelo número de “suspeitos” mortos pelas forças de segurança”, completa. Em entrevista concedida aos organizadores de “Crimes de Maio”, o então secretário de Segurança Pública Saulo de Castro Abreu Filho afirmou que os policiais agiram dentro da lei. “Houve dois tipos de situações. Pessoas de carro ou moto que passavam por uma delegacia ou viatura e atiravam. Os policiais contra-atacaram e se defenderam. Se você fosse policial e estivesse lá teria feito o mesmo. Outros, que preparavam ataques, foram denunciados pela população, através do 190 ou do 181. Policiais confirmavam a informação e tentavam render os criminosos. É ingênuo imaginar que todos os bandidos se rendem diante da voz de prisão, principalmente se estiverem armados. Eles atiram pra matar, ao contrário da polícia, que atira em defesa da lei. A maior parte deles foi presa, o que mostra que os policiais agiram dentro da lei”. Inércia Mesmo com todas essas informações em mãos, de acordo com o Condepe, passados seis meses dos crimes de maio (quando o livro foi finalizado), a Secretaria da Segurança Pública não havia apresentado informações sobre inquéritos policiais concluídos e pessoas indiciadas pelas mortes de policiais e das outras vítimas da crise da segurança. “Autores de homicídios com “autoria desconhecida” não foram identificados, inclusive autores de homicídios de agentes públicos. Policiais que praticaram homicídios registrados como “resistência seguida de morte” não foram responsabilizados por uso excessivo da força. O Ministério Público, responsável pela propositura de ações penais e controle externo da atividade policial também não apresentou informações sobre pessoas denunciadas pelos homicídios praticados durante a crise da segurança pública”, afirma Paulo de Mesquita Neto, pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da USP. Na sua opinião, na seqüência da crise, conflitos políticos e eleitorais tomaram o lugar de investigações criminais, inquéritos policiais e processo judiciais. “Em meio à campanha eleitoral, o governo estadual tentou responsabilizar o governo federal, que por usa vez tentou responsabilizar o governo estadual pela crise da segurança. No governo estadual (...) a Secretaria da Segurança Pública tentou responsabilizar a Secretaria da Administração Penitenciária, que tentou responsabilizar a Secretaria da Segurança”, critica. A opinião da Defensoria Pública de São Paulo corrobora o caso. Para o Subdefensor Público-Geral Pedro Giberti, os elementos existentes nos inquéritos, apontando para situações de desvio de conduta e abuso de autoridade, eram fartos e concorrentes. “Todavia, a maioria esmagadora desses inquéritos não se transformou até a presente data em denúncias oferecidas pelo Ministério Público, sendo sepultados na vala comum do arquivamento, onde jaz a impunidade”, declarou. De 52 casos de suspeita de execução analisados pela Ouvidoria das Polícias, em 11 existiam indícios de participação de policiais, mas que também ainda não foram confirmados pelas corregedorias da Polícia Militar e da Polícia Civil, pelo DHPP (Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa) e pelo Ministério Público. Outros 16 casos, segundo a Ouvidoria, foram encaminhados à Justiça.

terça-feira, 6 de fevereiro de 2007

Caixão de luxo do operário não cabia no jazigo

Oiláááá!! Achei um texto muito bom a respeito do desabamento das cosntruções do metrô na zona Oeste de São Paulo(antes tarde do que nunca!!). Desabamento este que me deixou bastante chocada. Chocada por que, além de terem-se perdido vidas ali, talvez por incompetência, talvez por fraudes, tirou-se um pedaço de cada família que perdeu seu parente ali. Foram arrancados pedaços dos corações de cada um. E não há nada que pague essa perda. Nada mesmo. Caixão de luxo do operário não cabia no jazigo Laura Capriglione da Folha de S.Paulo Morto sob 38 metros de terra no desabamento da estação Pinheiros do metrô, o motorista de caminhão Francisco Sabino Torres, 47, transportava 30 mil kg de terra todos os dias no caminhão Mercedes-Benz 2638 que pilotava a serviço do Consórcio Via Amarela. Ele teve de enfrentar a terra de novo na hora do enterro. Velório realizado em sua casa, na rua Santa Terezinha, Vila Guilherme, em Francisco Morato, Grande São Paulo, o féretro estava marcado para sair ontem às 9h em direção ao cemitério da Alegria. Não deu. Nessa hora, sob chuva, a rua de terra era lama intransitável. O carro da funerária desistiu. Cerca de 20 operários do consórcio, que foram ao enterro, ofereceram-se para carregar o caixão nas costas --ladeira acima, 200 metros até o asfalto. Câmeras de TVs ao vivo, a prefeita Andréa Pelizari (PSDB) mandou um trator jogar brita para estabilizar o terreno. O carro funerário conseguiu sair às 11h, sob aplausos de colegas, vizinhos e familiares. No cemitério, outro problema: os jazigos foram construídos na medida padrão das urnas mortuárias populares. O caixão do motorista Torres era especial, de luxo, pago pelo Consórcio Via Amarela. Resultado: não cabia no retângulo concretado. Demorou. A solução foi enfiá-lo de lado. O secretário estadual de Justiça, Luiz Antonio Marrey, que fora levar conforto aos familiares, não esperou. O corpo ainda estava encalacrado e o helicóptero da PM com Marrey a bordo sobrevoou o campo santo, voltando para São Paulo. Pai de três filhos (Kelly, 19, Adilson, 16, e Danilo, 15), marido de Maria Sinhazinha Torres, o motorista era líder comunitário. Passou os últimos 20 anos, tempo de moradia em Francisco Morato, lutando por asfalto. Não deu tempo. Francisco Morato, 200 mil habitantes, só uma indústria instalada, é cidade-dormitório dona dos piores indicadores sociais do Estado. De 1.500 ruas, apenas 400 são pavimentadas. O resto é terra.