sexta-feira, 25 de abril de 2008

Bairros mais ricos de SP têm até quatro vezes mais investimento que os mais pobres, diz estudo

Da Redação do site da uol Em São Paulo Uma pesquisa realizada pela ONG Movimento Nossa São Paulo e divulgada nesta quinta-feira (24) traduz em números a desigualdade econômica e social entre as diferentes regiões da capital paulista. O estudo, feito com dados oficiais, fornecidos pela Prefeitura de São Paulo, revela que enquanto bairros de classe média como os de Pinheiros e Jardins têm serviços de saúde, educação e cultura semelhantes aos de países desenvolvidos, bairros da periferia da capital apresentam total carência de serviços essenciais. O estudo revela quanto a Prefeitura efetivamente investe em cada uma das 31 subprefeituras da cidade. Ao analisar o orçamento de cada subprefeitura em 2006 e dividi-lo pelo número de habitantes atendidos, a ONG conseguiu detectar que o volume de recursos que chega aos bairros ricos é em média 4 vezes maior que chega aos bairros pobres. No período analisado, as três subprefeituras com maior orçamento per capita foram Pinheiros (R$ 126,59), Sé (R$ 123,22) e Santo Amaro (R$ 120,87). No outro extremo, as de menor investimento foram as de Capela do Socorro (R$ 31,43), M'Boi Mirim (R$ 35,60) e Cidade Ademar (R$ 44,66) De acordo com Maurício Broinizi Pereira, coordenador-executivo do Movimento Nossa São Paulo, o volume de recursos repassados pela Prefeitura às subprefeituras é desproporcional ao tamanho dos bairros e de sua população. "A maior parte dos investimentos se concentra em bairros de classe média alta, que concentram uma elite com capacidade de pressão política", afirma. Um exemplo: a verba destinada à região da subprefeitura de Pinheiros (Pinheiros, Jardim Paulista, Alto de Pinheiros e Itaim Bibi), com 245 mil habitantes divididos por 32 km2, foi quatro vezes maior do que o total destinado à Capela do Socorro (Socorro, Cidade Dutra e Grajaú), que tem 645 mil habitantes em uma área de 134 km2. Além da desigualdade de investimentos, a pesquisa revelou a desvantagem dos bairros de periferia com relação a acesso a saúde, educação, esporte, cultura e lazer. Comparando o número de hospitais existentes em toda São Paulo, o estudo constatou que a cidade tem em média 2,84 leitos hospitalares para cada 100 mil habitantes. Os bairros melhor assistidos são os da região da Sé (18,64 leitos para cada 100 mil habitantes), da Vila Mariana (16) e de Pinheiros (12,53). Os pior assistidos são os de Campo Limpo (0,02 leitos para cada 100 mil habitantes) e Aricanduva e Freguesia do Ó/Brasilândia (0,47 cada). E há regiões que não contam com um leito sequer: Cidade Ademar, Cidade Tiradentes, Parelheiros e Perus. Quanto acesso à educação, a desigualdade mais evidente está no número de horas de aula oferecidas a estudantes de bairros pobres e ricos. Na periferia, para atender a um número maior de alunos, as escolas municipais de Ensino Fundamental têm aulas divididas em três turnos de quatro horas - o intermediário, das 11h às 15h, é conhecido como 'o turno da fome'. Em Cidade Tiradentes, por exemplo, 69% das escolas seguem esse sistema. Em Campo Limpo, 51%. Já em Pinheiros e na Sé, todas as escolas têm apenas dois turnos, de seis horas cada. Segundo os organizadores do estudo, a falta de serviços públicos essenciais é determinante para o agravamento de problemas sociais na periferia. "As subprefeituras com menor grau de investimento público são as que têm os piores indicadores de criminalidade juvenil", diz Pereira. A partir de dados do Pro-Aim (Programa de Aprimoramento de Dados sobre a Mortalidade no Município de São Paulo), o Movimento Nossa São Paulo fez uma análise do número de homicídios de jovens do sexo masculino de 15 a 29 anos em toda a cidade de São Paulo. Segundo essa análise, as regiões com menor número de mortes violentas são as das subprefeituras de Vila Mariana (10,19 para cada 100 mil habitantes), Pinheiros (12,85) e Lapa (18,12). As regiões com maior número são: Casa Verde/Cachoeirinha (174,92), Freguesia do Ó/Brasilândia (143,44) e M'Boi Mirim (129,69). "Ou seja, enquanto os bairros mais ricos de São Paulo apresentam índices de mortes violentas semelhantes ao de países desenvolvidos, os mais pobres da periferia apresentam taxas semelhantes às de países em guerra", diz Pereira. De posse desses dados, a ONG espera convencer a população a pressionar a Prefeitura para que ela atenda de forma mais equânime os 96 distritos da cidade. De acordo com os organizadores, o estudo poderia servir para nortear os postulantes ao cargo de prefeito e às 55 vagas na Câmara Municipal a montarem programas que atendam às reais necessidades de cada bairro. A íntegra da pesquisa pode ser acessada no site do Movimento Nossa São Paulo.

domingo, 20 de abril de 2008

Agrocombustíveis e produção de alimentos

ARIOVALDO UMBELINO DE OLIVEIRA* E as conseqüências, para a produção de alimentos no Brasil, da expansão da cana-de-açúcar nos últimos 15 anos, quais são? A RELAÇÃO entre a expansão dos agrocombustíveis e a produção de alimentos ganhou a agenda política internacional. A agricultura mundial continua passando por transformações profundas. O avanço da "comoditização" dos alimentos e do controle genético das sementes que sempre foram patrimônio da humanidade foi acelerado. Dois processos monopolistas comandam a produção agrícola mundial. De um lado, está a territorialização dos monopólios, que atuam simultaneamente no controle da propriedade privada da terra, do processo produtivo no campo e do processamento industrial da produção agropecuária. O principal exemplo é o setor sucroalcooleiro. De outro lado, está a monopolização do território pelas empresas de comercialização e processamento industrial da produção agropecuária, que, sem produzir absolutamente nada no campo, controlam, por meio de mecanismos de sujeição, camponeses e capitalistas produtores do campo. As empresas monopolistas do setor de grãos atuam como "players" no mercado futuro das Bolsas de mercadorias do mundo e, muitas vezes, têm também o controle igualmente monopolista da produção dos agrotóxicos e dos fertilizantes. A crise, portanto, tem dois fundamentos. O primeiro, de reflexo mais limitado, refere-se à alta dos preços internacionais do petróleo e, conseqüentemente, à elevação dos custos dos fertilizantes e agrotóxicos. O segundo é conseqüência do aumento do consumo, mas não do consumo direto como alimento, como quer fazer crer o governo brasileiro, mas, isto sim, daquele decorrente da opção dos Estados Unidos pela produção do etanol a partir do milho. Esse caminho levou à redução dos estoques internacionais desse cereal e à elevação de seus preços e dos preços de outros grãos – trigo, arroz, soja. Assim, a "solução" norte-americana contra o aquecimento global se tornou o paraíso dos ganhos fáceis dos "players" dos monopólios internacionais que nada produzem, mas que sujeitam produtores e consumidores à sua lógica de acumulação. Certamente, não há caminho de volta para a crise, pois, no caso norte-americano, os solos disponíveis para o cultivo são disputados entre trigo, milho e soja. O avanço de um se reflete inevitavelmente no recuo dos outros. Daí a crítica radical de Jean Ziegler, da ONU (Organização das Nações Unidas), que classificou o etanol como "crime contra a humanidade". É no interior dessa crise que o agronegócio do agrocombustível brasileiro quer pegar carona no futuro fundado na reprodução do passado. O governo está pavimentando o caminho. Por isso, a questão dos agrocombustíveis e a produção de alimentos rebatem diretamente no campo brasileiro. A área plantada de cana-de-açúcar na última safra chegou perto de 7 milhões de hectares e, em São Paulo, onde se concentra mais de 50% do total, já ocupa a quase totalidade dos solos mais férteis existentes. Em meio à expansão dos agrocombustíveis, uma pergunta se faz necessária: quais foram as conseqüências, para a produção de alimentos no Brasil, da expansão da cultura da cana nos últimos 15 anos? Os dados do IBGE, entre 1990 e 2006, revelam a redução da produção dos alimentos imposta pela expansão da área plantada de cana-de-açúcar, que cresceu, nesse período, mais de 2,7 milhões de hectares. Tomando-se os municípios que tiveram a expansão de mais de 500 hectares de cana no período, verifica-se que, neles, ocorreu a redução de 261 mil hectares de feijão e 340 mil hectares de arroz. Essa área reduzida poderia produzir 400 mil toneladas de feijão, ou seja, 12% da produção nacional, e 1 milhão de toneladas de arroz, o que equivale a 9% do total do país. Além disso, reduziram-se nesses municípios a produção de 460 milhões de litros de leite e mais de 4,5 milhões de cabeças de gado bovino. Embora a expansão esteja mais concentrada em São Paulo, já o está também no Paraná, em Mato Grosso do Sul, no Triângulo Mineiro, em Goiás e em Mato Grosso. Nesses Estados, reduziu-se a área de produção de alimentos agrícolas e se deslocou a pecuária na direção da Amazônia Isso deu, conseqüentemente, em desmatamento. Por isso, a expansão dos agrocombustíveis continuará a gerar a redução da produção de alimentos. A produção dos três alimentos básicos no país -arroz, feijão e mandioca- também não cresce desde os anos 90, e o Brasil se tornou o maior país importador de trigo do mundo. Portanto, o caminho para a saída da crise e da construção de uma política de soberania alimentar continua sendo a realização de uma reforma agrária ampla, geral e massiva. *ARIOVALDO UMBELINO DE OLIVEIRA, 60, é professor titular de geografia agrária da USP e diretor da Abra (Associação Brasileira de Reforma Agrária). Integrou a equipe que elaborou a proposta do Segundo Plano Nacional de Reforma Agrária para o governo Lula (2003). (Além de ser uma das melhores, mais competentes e mais combatentes pessoas que já conheci. O "Ari", como a gente o chama(va) lá no Departamento da Geo) Fonte: Folha de S.Paulo – 17/4/08 – (http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz1704200809.htm)

quinta-feira, 10 de abril de 2008

O que é pra que serve o Estado

"O governo do estado moderno não é mais que uma junta que administra os negócios comuns de toda a classe burguesa" (Manifesto Comunista, 1848) Vimos que a dependência econômica dos trabalhadores é assegurada essencialmente graças à propriedade privada da classe dominante sobre os meios de produção. No entanto, a simples dependência econômica não é suficiente para a manutenção duradoura de um modo de produção baseado na exploração. Os trabalhadores assalariados e os explorados em geral continuam sendo a imensa maioria da população, enquanto os opressores constituem uma ínfima minoria. Para que os minoritários exploradores possam manter em obediência a maioria explorada é necessário um instrumento político eficaz. E este instrumento é o Estado. A burguesia e seus ideólogos difundem largamente a concepção da neutralidade do Estado. Aprendemos na escola que o Estado se destina a salvaguardar o interesse geral da população, proteger o país, etc. Esforçam-se, assim, em fazer-nos crer que o Estado não tem nenhuma relação com a existência das classes sociais e com a luta que se trava entre elas. A concepção marxista do Estado vem sendo desenvolvida partindo exatamente da recusa da tese burguesa da neutralidade do aparelho do Estado. Lênin em "O Estado e a revolução" afirma: "O Estado, portanto, é produto e manifestação do fato das contradições de classe serem inconciliáveis. O Estado surge no momento e na medida em que, objetivamente, as contradições de classe não podem conciliar-se. E inversamente: a existência do Estado prova que as contradições de classe são inconciliáveis. (..) Segundo Marx, o Estado é um organismo de dominação de classe, um organismo de opressão de uma classe por outra; é a criação de uma "ordem" que legaliza e fortalece esta opressão ...... Em "Acerca do Estado", Lenin enfatiza: "O Estado é uma máquina para manter o domínio de uma classe sobre outra. Quando na sociedade não havia classes, quando os homens, antes da época da escravidão, trabalhavam em condições primitivas de maior igualdade, em condições de mais baixa produtividade do trabalho, quando o homem primitivo pôde conseguir com dificuldade os meios indispensáveis para a existência mais tosca e primitiva, então não surgiu, nem podia surgir, um grupo especial de pessoas diferenciadas especializadas em governar e que dominassem o resto da sociedade. " Dessas passagens podemos extrair algumas idéias essenciais: o Estado é o resultado do surgimento e desenvolvimento de classes antagônicas, é um organismo de dominação, de opressão de uma classe sobre outra; é a "criação de uma ordem que legaliza e fortalece esta opressão" (Lenin). Para que isto seja possível, o Estado reserva a uma pequena minoria certas funções que primitivamente eram exercidas por toda a sociedade; a mais importante delas é o uso de armas, e da força em geral. Pegar em armas torna-se prerrogativa de instituições como o Exército e a polícia. Outra função chave é o exercício da justiça, que passa a pertencer a juizes e a outros "especialistas". Nas sociedades primitivas cabia sempre à assembléias coletivas. A classe dominante - hoje a burguesia - controla o aparelho do Estado - Forças Armadas, administração, aparelho judiciário e todos os aparelhos ideológicos - fundamentalmente através de seu poder econômico. A classe que domina o sistema de produção (que detém os meios de produção e de troca) controla também todo o aparelho de Estado. Desta forma, o Estado é sempre uma ditadura de classe, responsável por manter a ordem estabelecida. Embora seja um aparelho de coerção violenta, o Estado também reforça e garante a estabilidade da classe dominante através de instituições que reproduzem sua ideologia, como a escola, os meios de comunicação, a Igreja ... A aceitação da exploração como natural e eterna, a aceitação passiva da divisão em classes, são idéias ostensivamente difundidas pelos aparelhos ideológicos do Estado." (Iniciação ao Marxismo - Cadernos do Marxismo Revolucionário, escrito por Francisco Cavalcante, do site do PSTU)

segunda-feira, 7 de abril de 2008

Leviandade é crime (caso Isabella Nardoni)

Clóvis Rossi Folha de S. Paulo, 2/04/08 Se o poder público brasileiro (no caso, o paulista) adotasse o devido rigor, puniria o delegado responsável pelo caso da menina Isabella Oliveira Nardoni, 5 anos, morta no sábado, por colocar o pai como suspeito. No fundo, estamos diante de uma gênese idêntica ao escândalo da Escola Base, no qual a mídia foi crucificada, com toda a justiça. Mas faltou mais alguém na cruz: o delegado responsável pela investigação do caso. Vamos rebobinar um pouco a fita e analisar as circunstâncias em que se deu a desumana crucificação dos responsáveis pela escola, apontados como abusadores de crianças. Quem detinha, com exclusividade, todas as informações? O delegado. Ninguém mais. Quem repassou as informações aos jornalistas, coletivamente? O delegado. Aos jornalistas, restava um de dois caminhos: duvidar ou acreditar (claro que me refiro aos jornalistas de boa-fé; os que têm índole sensacionalista não precisam acreditar ou duvidar de nada para dar vazão à índole). Mais: se duvidassem e decidissem não publicar, seria preciso que todos tivessem idêntico comportamento. Um só que publicasse já estaria provocando o dano à reputação dos donos da escola. Agora é um pouco a mesma coisa. O delegado deu entrevista que a Rede Globo, pelo menos, pôs no ar (não vi outros telejornais, mas suspeito que todos o tenham feito). Adiantaria alguma coisa se a Folha, digamos, não publicasse a acusação ao pai da menina? Salvaria a face do jornal, mas não salvaria o principal, que é a reputação do pai. Nem importa, no caso, se vier a se comprovar que o pai é mesmo culpado. Não cabe ao delegado, ao menos nesta fase da investigação, dizer quem é ou não suspeito. Se o pai for de fato culpado, será punido ao fim da investigação. Se for inocente, já está punido.