segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Não é o fim do mundo

José Bueno Conti,

climatologista brasileiro

O professor comenta as mudanças climáticas no mundo

Por: Gustavo Klein

Furacões na América do Norte, seca na Amazônia, efeito estufa e aquecimento da Terra são assuntos abordados pelo professor José Bueno Conti, da USP. Ele garante que não há motivo para se alarmar, porque todos esses fenômenos naturais são perfeitamente explicáveis sob o ponto de vista científico.

Professor decano do Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo, José Bueno Conti é especializado em clima, matéria que leciona há 40 anos na mesma universidade. Ele não compartilha da visão apocalíptica que tem sido comum quando se fala do aquecimento do globo e garante: todos os fenômenos naturais que têm acontecido – furacões, derretimento das calotas polares e ressacas mais fortes – fazem parte de um processo natural e cíclico, pelo qual o mundo já passou várias outras vezes. E faz um alerta: no lugar de um aquecimento extremo, há chance de o mundo estar caminhando para uma nova era glacial.

Furacão Katrina, seca do rio Solimões, picos de calor em países de clima mais frio, derretimento das calotas polares. O cenário parece ser de caos. Esses eventos devem ser observados de forma isolada ou fazem parte de um mesmo fenômeno de aquecimento global?

Conti: Todos esses fenômenos são classificados não como parte de mudança climática, e sim como variabilidade do clima. São excepcionalidades climáticas, eventos isolados. Esperados, aliás. E normais: a cada três ou quatro décadas ocorrem essas variações. No caso do rio Solimões, por exemplo, as águas já chegaram, em um passado recente (1998), a níveis ainda menores que os de hoje, que foram amplamente divulgados pela imprensa. Então, esses fatos, para os estudiosos sérios, não são nada surpreendentes. Em 2003, por exemplo, houve um verão particularmente muito quente na Europa ocidental, com ondas de calor em Paris e em Berlim, que matou idosos, inclusive. Atribuiu-se imediatamente ao aquecimento global. Foi muito sério, claro, mas ninguém questionou, entretanto, o porquê de o fenômeno ter acontecido apenas na Europa ocidental e apenas em 2003, e não ter se repetido em 2004 ou 2005. Quem estuda as condições do tempo sabe que nunca se encontra dois anos em sequência que sejam iguais. Para se ter uma mudança de perfil climático comprovada, é preciso que aconteça uma série de, no mínimo, 30 anos seguidos. O resto é, em primeira análise, sazonal.

E o derretimento das calotas polares, também é sazonal?

Conti: Há áreas de gelo da Antártida que se expandem por milhares de quilômetros durante o inverno antártico e que, depois, no verão, recuam. É um movimento sazonal. Tem se constatado, nos últimos anos, que algumas delas não são mais atingidas pelo avanço da calota de gelo no inverno. A partir daí levantou-se a suspeita de que poderia estar acontecendo um aquecimento do globo, com consequências importantes na questão ambiental, econômica, demográfica e na elevação do nível dos oceanos. E aí haveria invasão das áreas costeiras, que ficariam submersas.

O tempo do verbo utilizado mostra que o senhor não é partidário dessas teorias catastróficas. É isso mesmo?

Conti: Pois é. Eu, sinceramente, às vezes me sinto tentado a alimentar tudo isso, a falar, nas minhas aulas, que essas teorias de fim do mundo que estão sendo alardeadas são verdadeiras. Isso poderia despertar uma consciência, ainda que tardia, a respeito da preservação do meio ambiente, que considero válida e mais do que necessária e urgente. Só que não são verdadeiras, ou, pelo menos, não há comprovação de ligação entre alguns fatos isolados e o aumento da temperatura do planeta. Não acho que existam motivos para se trabalhar com cenários apocalípticos, pelo menos em um prazo médio.

Sua opinião é diametralmente oposta à da maior parte dos ambientalistas. O senhor tem consciência de que sua posição é polêmica?

Conti: Em termos. Não sou contra medidas que ajudem a preservar o meio ambiente, pelo contrário, acho que é bom que se proteja a atmosfera da emissão de gases venenosos. Tudo isso tem um efeito educativo que só pode ser benéfico, é preciso realmente defender a natureza. Não concordo é com a onda catastrofista. Não a endosso do ponto de vista científico, acho que é equivocada, que a dimensão que lhe atribuem é exagerada.

Mas furacões recentes, como o Katrina, não têm um poder de destruição maior que os formados em anos anteriores?

Conti: Os furacões, sim, têm uma sintonia com o aquecimento global. Porque o furacão tropical, do gênero do que aconteceu em Nova Orleans, se origina sobre os oceanos aquecidos. Por isso sempre acontece nos mares junto aos trópicos. Admite-se que a temperatura que desencadeia um furacão gira em torno dos 28o C. Quando o calor do mar chega a esse nível a chance de um furacão se formar é maior. Com o aquecimento do planeta, essa temperatura é atingida com maior frequência, lógico. Mas furacões de grande potência são historicamente comuns. Em 1963, também houve um fortíssimo na mesma Nova Orleans, chamado Camile, que matou muita gente. Ninguém ainda falava de aquecimento global nessa época.

Que outros fatores poderiam desencadear isso, então?

Conti: Fatores locais. No caso dos furacões, podem ser correntes oceânicas que levaram águas mais quentes a regiões mais amplas. A temporada deles acontece de agosto a novembro, justamente no período do fim do verão, em que os mares estão mais aquecidos no hemisfério norte inteiro. Agora, veja: não é só no Golfo do México que se originam os furacões. Eles estão se formando também no Golfo de Bengala, na Índia, nas Filipinas, no mar do Japão... são áreas tradicionalmente atingidas por eles. Este ano, não há notícias de eventos relevantes em outras regiões que não a da América do Norte e Central. Isso leva os cientistas à seguinte indagação: se o fenômeno do aquecimento é planetário, por que acontece especificamente em uma região? Voltando ao Solimões, pode-se usar a mesma lógica: se a seca é reflexo de aquecimento, por que está acontecendo apenas nele, e não no Tocantins, ou nos rios africanos que ficam na mesma latitude?

Mas, afinal, a temperatura está aumentando ao ponto de ameaçar a integridade da vida no planeta?

Conti: Um programa criado pela ONU avaliou que, ao longo do século 20, a temperatura média do globo aumentou cerca de 0,7o C. Isso porque a temperatura média do planeta é estimada em 15o C e, hoje, já estaria próxima dos 16o C. Mas esse é um dado muito abstrato, um referencial para toda Terra. Isso varia enormemente e há alguns pontos em que se tem constatado o contrário, uma baixa na temperatura.

Este aumento da temperatura não estaria se acelerando?

Conti: Esse estudo mostra que até os anos 70 houve um aumento regular e, a partir de então, acentuou-se. É muito provável, então, que nos próximos 100 anos este acréscimo não seja apenas de 0,7o C, seja maior.

Tal aquecimento, então, é fato comprovado. Não irá provocar, certamente, aumento do nível dos oceanos decorrente do derretimento das calotas polares? Que efeito isso pode ter em cidades litorâneas, como Santos, que tem registrado ressacas mais fortes nos últimos anos?

Conti: Há muita previsão catastrófica por aí. Um estudioso francês publicou recentemente um trabalho que propõe hipóteses particularmente inquietantes. Uma delas é o aumento da média térmica do globo em até 4o C até 2050, o que desencadearia a elevação nos oceanos. Por esse cenário, uma lâmina de um metro de água invadiria zonas costeiras, e Santos não seria exceção, o mar chegaria até perto da serra. Mas isso é uma coisa espetacular, se levarmos em conta que nos últimos 100 anos, com toda a agressão, a temperatura aumentou 0,7o C. é uma hipótese muito pouco provável. Não há qualquer exemplo de região que tenha ficado submersa, nem aquele país chamado Maldivas, no sul da Índia, que é formado por ilhas chatas de apenas um metro acima do nível do mar.

Então o problema existe, efetivamente. Suas causas passam, mesmo, pelo efeito estufa?

Conti: Deve-se, antes de tudo, entender que o efeito estufa existe há muito, muito tempo. É o aprisionamento do calor na baixa troposfera, a camada inferior de ar, que são os primeiros três ou quatro quilômetros da atmosfera (ao todo, chega perto dos mil quilômetros). Sem o efeito estufa não haveria vida na Terra como conhecemos. As pessoas precisam entender que ele é muito mais benéfico do que nocivo.

Como funciona esse mecanismo de aprisionamento de calor?

Conti: Certos gases presentes na atmosfera têm a capacidade de deixar passar a radiação solar, o fluxo de calor que vem do sol. E a explicação disso passa por conceitos da Física: a energia se propaga em movimentos ondulatórios, com diferentes comprimentos de onda. A energia do sol chega basicamente em ondas curtas, proporcionais à sua alta temperatura. A onda curta tem um poder de penetração muito grande, entra fácil na atmosfera, apesar dos obstáculos, que são nebulosidade, vapor de água etc. Chega aqui metade do que chega no topo. Essa metade aquece o planeta, mas de forma desigual.

Por que desigual?

Conti: Porque as superfícies que recebem esse calor também são diferentes, e essa diferença é fundamental. A água, que ocupa 83% da superfície, absorve mais a radiação solar, e a terra, 27% da superfície, tem capacidade menor de aproveitar os raios. A terra reflete a energia. Aí é que entra o efeito estufa: essa parcela refletida volta para a atmosfera em ondas longas, porque a Terra tem uma temperatura média baixa. E as ondas longas têm muito menos poder de penetração. Qualquer obstáculo que encontram é suficiente para bloqueá-las. Nebulosidade, por exemplo. Ou ozônio, ou vapor de água, ou outros gases. São esses os fatores que provocam o efeito estufa. Esse calor refletido não encontra por onde ir embora, e fica aqui.

A maior parte destes gases é produzida pelo homem, não?

Conti: Não, e é aí que está o maior engano, algo que nunca é dito. O mais importante fator de bloqueio do calor é o vapor de água. A estimativa é de que 60% do efeito estufa seja provocado por ele. Ou seja, sobra 40% para todos os outros gases. Se eles não, ainda teríamos 60% do efeito estufa nos níveis atuais. Mas se se retirasse todo o vapor de água da atmosfera, a temperatura média do planeta cairia para algo próximo dos –18o C, ameaçando a vida no planeta.

Mas as emissões de carbono pelo homem não são, hoje, muito maiores? A atividade industrial não estaria lançando elementos estranhos na atmosfera?

Conti: O dióxido de carbono não é um elemento estranho, ele sempre fez parte da atmosfera, claro que em um nível menor e vindo de outras fontes. As queimadas, por exemplo, lançam muito dióxido na atmosfera. Mesmo a simples derrubada provoca, os troncos em decomposição emitem carbono. Quando se começou a medir a quantidade de CO2 na atmosfera, no final da década de 50, o número de referência era de 300 partes por milhão. Hoje está em 360 partes por milhão, em média, cerca de 20% maior, portanto.

A culpa, pelo que o senhor diz, não é do homem. O que provoca o aquecimento, então?

Conti: Alguns estudiosos defendem a idéia de que vivemos o momento de transição entre uma era glacial – que termina – e outra que está prestes a começar. Vivemos, provavelmente, o fim de um ciclo de aquecimento. Que vai chegar em um ponto e sofrer uma reversão. Esse aquecimento pode, claro, ser agravado pelos gases do efeito estufa, pela atividade industrial etc., mas a história do planeta está cheia de ciclos glaciais. Foram quatro glaciações, períodos de resfriamento e quatro de aquecimento do globo. Em algumas vezes, a calota de gelo chegou perto do Equador, recuou, no período interglacial, depois avançou outra vez. O último ciclo glacial se interrompeu há cerca de 10 mil anos, e o intervalo médio entre um e outro foi de, exatamente, 10 mil anos. Baseado nisso, pode-se se supor que estaríamos caminhando não para um aquecimento, mas para o contrário, uma nova idade do gelo.

A preocupação com o assunto vem de quanto tempo?

Conti: Isso não é novo, desde os anos 80 se fala no assunto. Tal preocupação levou a ONU a criar o Painel Intergovernamental das Mudanças Climáticas, há 17 anos. O objetivo desse programa era, primeiro, verificar se as mudanças estavam efetivamente ocorrendo e, posteriormente, monitorá-las, avaliar e, caso necessário, alertar a comunidade mundial sobre riscos iminentes e propor soluções que pudessem atenuar as possíveis consequências.

Essas soluções propostas passam pelo Protocolo de Kyoto?

Conti: Antes dele houve a Conferência do Clima no Rio de Janeiro, a Eco-92, que se reúne periodicamente. Foi em uma dessas reuniões, em 1997, em Kyoto, que se decidiu tomar medidas concretas para obrigar os países industrializados a reduzir a emissão de carbono e outros gases, como metano. O protocolo de Kyoto tem boas intenções, propõe que as emissões, em 2012, sejam 5% menores do que eram em 1990. Era preciso que 55% dos países industrializados o assinassem para que ele entrasse em vigor, coisa que só aconteceu recentemente, quando a Rússia, segunda maior poluidora (com 17%), aderiu. O calcanhar de Aquiles é que os Estados Unidos, responsável por 36% da emissão de carbono, disseram de saída que não iriam entrar, porque seria um golpe muito pesado em sua economia. Isso causou uma situação de perplexidade, mas não é sua única fragilidade.

Quais são as outras?

Conti: Não trata do vapor de água na atmosfera, obviamente. Não é possível ter controle sobre isso, claro. Essa evaporação é cinco vezes maior nos oceanos tropicais, mas a circulação atmosférica, de grande escala, distribui esse calor por todo o planeta. O protocolo de Kyoto não trata, portanto, de uma parcela significativa da causa do aquecimento, de 60% dela. Outro problema pode aparecer no futuro, pois a criação de áreas reflorestadas como forma de sequestrar carbono da atmosfera é benéfica em um primeiro momento, mas pode depois ter o efeito contrário: se essas áreas reflorestadas forem derrubadas daqui a três, quatro décadas, se tornarão fonte de emissão de carbono. É uma bomba-relógio.

Num cenário hipotético em que todas as emissões poluentes fossem cessadas, por quanto tempo o planeta ainda sentiria seus efeitos?

Conti: Esses gases (dióxido de carbono, metano, óxido nitroso etc.) têm um tempo de vida muito longo na atmosfera. Alguns irão permanecer, até, por centenas de anos. A ação do Protocolo de Kyoto é limitada, nesses campos.

O petróleo, em um dia que não está tão longe assim, vai acabar. Que reflexos a mudança da matriz energética trará a esse cenário?

Conti: Isso é importante: a matriz energética tende a mudar em breve. No início foi baseada no carvão (século 19), agora é o petróleo. Quando houve a primeira crise do petróleo, na década de 70, os países industrializados começaram a investir em outras fontes de energia. Um exemplo foi o Proalcool aqui no Brasil – cerca de 90% dos veículos produzidos naquela época usavam o combustível vegetal. Claro que eles não investiram porque queriam a atmosfera limpa. Foi por causa da lei de mercado, o petróleo estava caro e eles precisavam de alternativas. Hoje as energias renováveis (hidroelétrica, eólica e solar) tem maior participação. E muito mais importância vão ganhar.

Quais delas são economicamente viáveis?

Conti: Hoje os Estados Unidos estão investindo pesadamente no biodiesel, o Brasil também. Fala-se no hidrogênio, na captação direta da energia solar para mover toda a atividade industrial, veículos. O grande problema é que são tecnologias pouco viáveis, ainda, do ponto de vista econômico, embora absolutamente possíveis pelo lado técnico. Mas não se iluda, a tendência é chegar lá. Uma hora os combustíveis fósseis serão abandonados e isso também trará efeitos posteriores na atmosfera.