quinta-feira, 26 de junho de 2008

A Falta de Educação

Ai, ai. Quanto tempo não escrevo... a vida anda MUITO corrida. Trabalhando demais. Demais é pouco com relação ao que eu ganho. Tô na educação do Estado, para os que não me conhecem ou para os que não estão tão próximos... e a vida nesse trabalho não é fácil. Ariisco dizer que é quase impossível você sobreviver, lúcida, até o final da carreira. O abandono à educação, à escola, é total, a insituição está falida e sem base alguma. Um professor da FE (Faculdade de educação da USP) costuma dizer que a escola, do jeito que é concebida, não dá mais certo. E eu estou vendo isso na pele. A escola do jeito que é só funciona num regime ditatorial, numa relação de dominante - professor - e dominado - aluno. O conceito está errado e, enquanto não mudar, a coisa só tende a afundar mais. Conclusão: você, professor, tem que ser um carrasco, por que, se não o for, fica difícil controlar a galerinha. Parece que eles não entendem conversa! (e não devem entender mesmo; em casa, quando alguém fala com eles é nos berros e, na escola, também. Aí, cria o círculo vicioso). Mas a escola, desse jeito, não produz cabeças pensantes e possíveis transformadores da sua realidade. Formamos fantoches, cada vez mais. E os formamos até mesmo para sobrevivermos em sala. Ai, complicado. Complicadíssimo. Aí, para resolver, o Governo do Estado de São Paulo implanta novidades. Caderninhos com toda matéria e metodologia para que possamos aplicar (possamos não, para que apliquemos). Pronto, problema resolvido, disse o SPTV! Só esqueceram de dizer que falta verba e material para o aluno. Mas isso é "só" um detalhe. Sou obrigada a dizer que o material realmente é bom. O meu, claro por que, para trabalhar com os anjinhos, é bem difícil. Digo trabalhar o conteúdo, por que, para todos te ouvirem, só com Jesus ao seu lado. A garotada não sabe ler um gráfico, interpretar um texto. É uma lástima. Aí, vem a nova proposta, dizendo: "Professores, suas antas, a educação está asim por causa de vocês. Por isso, vocês vão trabalhar como "nós" queremos. Se vocês são tão incapazes e incompetentes, daremos a salvação da lavoura - a nova proposta." Aposto que você ouviu o "tcharam" e algumas estrelinhas quando leu esta frase. Para responder a essas constantes constatações por parte dos nossos superiores - da nossa incompetência -, recebo essa carta, por e-mail, de uma supervisora do ensino do Estado. Simplesmente ma-ra-vi-lho-sa!
"Carta de supervisora à Secretária de Educação-SP
Senhora Secretária,
Quero aqui expressar, com todo o respeito, a opinião de uma profissional que pensa que a educação pública de boa qualidade é fundamental para o desenvolvimento do país e que, por isto mesmo, tem orgulho de pertencer ao Quadro do Magistério Estadual Paulista. Tenho 15 anos de trabalho na Escola Pública de São Paulo, 11 dos quais em sala de aula e os últimos 04 na Supervisão de Ensino. Tenho lido com muita apreensão algumas matérias que saem nos jornais e na Revista 'Veja' que, a meu ver, têm colocado a maior parte da responsabilidade dos males da educação nos professores e gestores escolares, sem, contudo, fazer uma reflexão mais profunda sobre esta situação.
Concordo que há um número grande de professores sem condição para assumir uma sala de aula. Mas há que se perguntar: por que isto acontece? Se a justificativa do fracasso da educação está neste fato, por que aceitar professores tão mal formados? É triste pensar que boa parte dos professores é formada em cursos que não preenchem os mínimos requisitos para formar bons professores. Não posso deixar de pensar que isto parece uma política muito bem pensada. Professores mal formados formam mal seus alunos e, por isto mesmo, não têm o direito de receber salários dignos de um bom profissional. Os bons profissionais acabam abandonando a carreira, pois não são valorizados tanto financeiramente, como do ponto de vista social. Nem o Estado, nem a sociedade respeitam estes profissionais. E como resgatar o respeito perdido perante a sociedade, se toda campanha que o governo e a mídia em geral fazem por uma educação de qualidade, é uma campanha contra os professores, sempre apontados como os grandes culpados pela situação da escola pública?
No entanto, quando alguns de nós afirmamos que é preciso fiscalizar, com mais firmeza, os cursos para que passem a formar professores competentes, lá vem aquela 'baboseira ideológica' (me desculpe por emprestar sua expressão) de que somos um bando de castristas autoritários. Ninguém reclama quando a vigilância sanitária fecha um estabelecimento que não segue as mínimas regras - afinal é uma questão de saúde pública. Mas quando falamos da necessidade de fiscalizar as instituições de ensino superior e tomar atitudes firmes contra aquelas que formam mal, é uma gritaria geral. Em uma entrevista à 'Veja' a senhora afirma que 'num mundo ideal' fecharia as faculdades de pedagogia porque seus cursos são 'exclusivamente teóricos, sem nenhuma conexão com as escolas públicas e suas reais demandas' (Veja, 13/02/2008). Na verdade, senhora secretária, uma boa parte dos cursos são vagos mesmo e os alunos não tem aulas de tipo algum, sejam teóricas, sejam práticas.
Penso que qualquer reforma no ensino básico será infrutífera se não acompanhada de uma reforma profunda nos cursos que formam professores. Outra questão reside nas condições de trabalho. Muito tem se falado no exemplo finlandês, especialmente em matérias da 'Veja'. Convenhamos, nenhuma delas explica muito bem a situação dos professores finlandeses, tão citados como exemplares. Matéria do 'Washington Post', disponível na Internet (washingtonpost.com , acesso em fevereiro de 2007) e intitulada 'Focus on Schools Helps Finns Build a Showcase Nation', nos fornece dados que possibilitam ver as diferenças entre as condições de trabalho dos professores daqui e da Finlândia. Neste país, a profissão é valorizada, os professores são respeitados pela sociedade e se orgulham de sua profissão. Quase todos são mestres, no mínimo. Será que se formam em cursos vagos, de fim de semana? Cursos reconhecidos pelo Governo e que cresceram exponencialmente a partir dos anos 90? Aqui em São Paulo, até mesmo o programa 'Bolsa Mestrado' foi suspenso pelo governador José Serra.
Na Finlândia, os professores não são horistas; são contratados para trabalhar em uma única escola; têm dedicação exclusiva, tendo tempo para desenvolver projetos que favoreçam a aprendizagem. Enfim, são professores-pesquisadores, com condições para tal. Aqui, senhora secretária, professor da escola pública é horista e dá até vergonha de dizer quanto vale a hora / aula de um professor. Para compor o salário os OFAs se deslocam de uma escola para outra para completar a carga horária. Muitos efetivos de cargo, para aumentar a renda, acabam acumulando cargo no próprio Estado ou no Município. Isto sem falar naqueles que também atuam em escolas particulares. Em relação a esta questão, outra matéria 'vejiana' afirma que salário não tem relação com qualidade de ensino. Citando a Finlândia, afirma que lá os professores ganham quase o mesmo que a média do salário nacional, enquanto os professores daqui ganham cerca de 50% a mais. Ora, eu gostaria de ganhar um salário igual ao da média nacional, desde que a nossa média nacional fosse igual à da Finlândia. Como os professores de lá, com certeza eu não reclamaria. Como diversos estudos mostram, números são interpretados em função de nossas intenções e visões de mundo. Como educadora e com uma visão diferente da 'vejiana', penso que devemos lutar por um futuro em que a média dos salários daqui possa se comparar à de países que oferecem uma vida mais digna aos seus cidadãos. Aliás, é interessante observar que matéria da própria 'Veja' (Veja São Paulo, de 16/04/2008), mostra que salário tem sim relação com a qualidade de ensino. A matéria nos informa que a média dos salários dos professores das 10 melhores escolas no ENEM 2007 é de R$ 6.000,00. Há professores que recebem mais de R$ 9.000,00. São professores bem formados, valorizados e com dedicação exclusiva. Sei das dificuldades de se arcar com custos de salários tão altos para os professores das escolas
públicas, mas dizer que ganhamos bem e que reclamamos à toa beira é brincadeira de mau gosto, para não dizer que parece um discurso ensaiado e de má fé. Voltando à Finlândia, lá o sistema é 'rich in staff', como é afirmado na matéria do 'Washington Post'. Há funcionários, psicólogos e especialistas em crianças com necessidades especiais. Já aqui... Lá o sistema seleciona os melhores professores, pois os valoriza. Aqui o sistema contrata professores mal formados exatamente porque não os valoriza. Só quando os professores forem profissionais bem formados, receberem salários dignos de sua profissão e forem respeitados enquanto profissionais é que o Estado terá condições de exigir resultados. Aí sim poderá avaliar e até mesmo criar mecanismos para excluir aqueles professores que não tenham compromisso em sua profissão, tal como na Finlândia ou nas escolas particulares. Do contrário, as avaliações só continuarão a mostrar o fracasso do sistema. Penso ser urgente pensar nestas questões, pois não adianta cobrar melhora nos resultados de aprendizagem se não há um sistema de contratação de profissionais bem formados, sejam professores, sejam gestores. Concordo que o problema da má qualidade de ensino não se resolverá apenas com aumento de salário dos professores. Mas os profissionais da educação pública precisam ter seus salários revistos.
Repito: sei das dificuldades de o Estado arcar com uma folha de pagamento alta como das escolas particulares, mas nosso salário está vergonhoso e não acredito que o governo do Estado mais rico da federação não poderia oferecer um pouco mais. Há também outros problemas que precisam ser enfrentados, de fato. Acho no mínimo preocupante quando a senhora afirma, em uma das reportagens (Folha de São Paulo, 25/02/2008), quando questionada sobre as 'falhas dos governos tucanos' (Covas, Alckmin), que prefere dizer que os problemas atuais são estruturais. Não são falhas de um governo que está aí há anos, não é questão de incompetência. São questões estruturais. No entanto, quando dizemos que muitos dos problemas da escola pública são estruturais (salários baixos, lotação, prédios horrorosos, lousas caindo aos pedaços, falta de laboratórios, violência, indisciplina, etc.) ouvimos que isto é reclamação sem fundamento; que é só saber bem o conteúdo e boas técnicas didático-metodológicas que tudo se resolveria (isto fica bem claro quando lemos o 'Caderno do Gestor' que acompanha a nova 'Proposta Curricular'). Mas quando questionada em uma das reportagens sobre as condições das escolas, a senhora diz que o governo faz o que pode, manda verbas, mas à noite a escola é invadida e roubam os fios. Isto não é contraditório? O governo tem desculpas, não é sua culpa, é da estrutura e dos vândalos que invadem a escola. Agora, quando um professor tem que enfrentar uma classe lotada, sem a mínima estrutura ele tem que se virar.
Não tem desculpas... Em outras palavras: todas as falhas dos governos passados não são falhas ou questão de incompetência, são problemas de estrutura. Mas quando os professores dizem que a estrutura atual do sistema de ensino contribui muito para o fracasso escolar, o governo diz que isto é desculpa, que é 'baboseira ideológica', e que basta ser competente e saber o conteúdo que tudo se resolverá. Voltando à tão citada Finlândia, fica claro que lá os professores são competentes, como se afirma, porque bem formados, valorizados e com condições estruturais bem melhores que as que temos no Estado de São Paulo. Portanto, falar em qualidade em salas lotadas, sem condições estruturais satisfatórias e sem professores bem formados (bem diferente do tão falado sistema finlandês), é falar para 'inglês ouvir'. Em suma, uma educação de qualidade reside no tripé salários dignos, condições de trabalho e compromisso profissional. Só quando o Estado pagar salários dignos e fornecer condições para os professores e gestores desenvolverem seu trabalho, poderá selecionar os melhores e até mesmo criar formas de excluir aqueles que não tenham compromisso. Em tempo, senhora secretária: fiz mestrado e doutorado e não ganho o salário que estão dizendo por aí que eu ganho. Muitos de meus colegas me perguntam por que ainda estou na educação pública ganhando um salário tão baixo que não condiz com a minha formação.
Respondo que escolhi isto por acreditar que estou exercendo uma profissão chave para um país que deseja um futuro mais digno; que ainda acredito na educação e que, sim, tenho um compromisso ideológico com a escola pública.
Mas a seguir sua visão e a visão 'vejiana' de educação, senhora secretária, isto deve ser mais uma das minhas 'baboseiras ideológicas'.
Profª Drª Clarete - Supervisora de Ensino