quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

Polícia Assassina - Até Quando?

Até quando a polícia se verá no direito de julgar e condenar à morte quem os indivíduos policiais acham que são culpados? Até quando ficaremos à mercê de suas armas e artifícios de tortura? Até quando o Estado, na forma de polícia, vai continuar causando traumas, quando não, matando as pessoas? O Estado pode assassinar seus habitantes, assim, à revelia? - para os fascistas de plantão, habitantes desarmados, sem chances de reação. Bem, de 1964 a 1983, podia.

Choques mataram garoto detido por policiais em Bauru (SP)

da Folha Online

O adolescente Carlos Rodrigues Júnior, 15, morto na madrugada de sábado (15) em Bauru (343 km de São Paulo) depois de ser abordado por policiais militares foi vítima de tortura com choques elétricos, de acordo com reportagem publicada nesta terça-feira na Folha.

A informação foi dada à reportagem pelo diretor do IML (Instituto Médico Legal) da cidade, Ivan Edson Rodrigues Segura. Um fio desencapado, que pode ter sido usado na tortura, foi apreendido com um policial suspeito de envolvimento no homicídio do garoto.

O garoto foi abordado por seis policiais militares na madrugada de sábado em sua casa, no núcleo habitacional Mary Dota. Segundo a Polícia Militar, ele era suspeito de ter roubado uma moto na noite de sexta (14). Rodrigues Júnior foi agredido e desmaiou. Chegou a ser levado ao hospital, mas morreu.

Segundo a Folha, o laudo do IML de Bauru, que será divulgado hoje, aponta que o corpo de Rodrigues Júnior apresenta queimaduras por choques elétricos. O diretor do órgão adiantou à reportagem que uma corrente elétrica atingiu o coração do menino, o que causou sua morte.

Os seis policiais foram presos no domingo (16) por suspeita de homicídio. Eles estão detidos no Presídio Militar Romão Gomes, em São Paulo.

Policiais são presos acusados de espancarem adolescente até a morte em SP

da Folha Online

Seis policiais militares foram presos em flagrante neste domingo sob a suspeita de espancarem um adolescente até a morte em Bauru (343 km a noroeste de São Paulo). Eles foram indiciados por homicídio.

De acordo com a Polícia Militar, o rapaz, de 15 anos, era suspeito de roubar uma motocicleta. Ele foi reconhecido pela vítima e os policiais encontraram a moto em sua residência. As agressões teriam ocorrido na casa do próprio adolescente, segundo a PM.

"O próprio oficial que estava no comando da ocorrência relatou a morte do rapaz. Ele também foi preso", afirmou o tenente-coronel José Humberto Nardo, comandante do 4º BPMI (Batalhão de Polícia Militar do Interior).

Nardo afirmou que a mãe e a irmã do adolescente, que estavam na casa, presenciaram o espancamento por parte dos policiais. Elas prestaram depoimento como testemunhas no inquérito que vai apurar o homicídio.

"Mesmo que ele tenha roubado a moto, que estava na casa dele, o desfecho [da ocorrência] não poderia ser esse", afirmou o comandante.

Os policiais militares foram encaminhados para o Presídio Militar Romão Gomes, em São Paulo. Além do inquérito na Polícia Civil, um inquérito policial militar também foi instaurado para apurar o caso.

Ideologia da repressão
Escrito por João Baptista Herkenhoff do site Correio da Cidadania
10-Dez-2007

O país redemocratizou-se há vinte anos. Uma Constituição foi votada com intensa participação popular, como nunca havia acontecido no transcurso de nossa História. A Assembléia Constituinte que votou a Constituição de 1988 abriu-se à escuta dos anseios da cidadania. Dessa escuta resultaram emendas populares assinadas por cerca de quinze milhões de eleitores. As vozes da rua pleitearam justiça social, educação, democracia, direitos humanos. Não houve emendas populares pedindo o retrocesso institucional, o endurecimento da repressão, a supressão de garantias. Chegava-se ao fim do túnel e a comunidade nacional queria respirar liberdade.

Entretanto, em contraste com a esperança de um novo ciclo histórico, bolsões de pensamento e comportamento ditatorial permaneceram em muitas instituições e espaços sociais, inclusive na Justiça, na polícia, em órgãos de governo, na universidade, nos meios de comunicação.

É esse substrato cultural autoritário que está atrás de atos de violência praticados por autoridades públicas contra o cidadão. É esse substrato cultural que faz com que a polícia, e até mesmo a Justiça, presuma a culpa e determine que a inocência seja provada. É esse substrato que admite que, na persecução do crime, vidas de inocentes possam ser sacrificadas.

Faço estas reflexões a propósito da morte do advogado Geraldo Gomes de Paula, nas dependências de uma Delegacia de Polícia de Vitória. Esse digníssimo advogado foi vítima da brutalidade quando se encontrava no estrito cumprimento do dever. Seu falecimento é chorado, não apenas por sua família, mas também por milhares de pessoas que testemunharam sua retidão moral e dignidade de espírito.

À luz da ideologia da repressão não se entende o papel do advogado criminal, que é visto como “inimigo público”. Não se compreende que o advogado é indispensável à Justiça e que sem respeito ao advogado a Democracia naufraga. O advogado não defende o crime, mas sim o acusado de um crime ou até mesmo o culpado. Julgamento criminal que se faça sem a presença independente e atuante do advogado não é julgamento, mas arremedo de julgamento, farsa.

A violência urbana que, com razão, amedronta o povo, encoraja a ideologia da repressão. Segundo essa ideologia, tropas especializadas, com atiradores de elite, estão autorizadas a matar, uma vez que se encontram no desempenho de papel estratégico para preservar a segurança pública. O resultado disso é uma ilusória segurança, como estamos vendo todo dia.

Sem prejuízo da honesta, transparente e integral apuração dos fatos que causaram a morte do advogado Geraldo Gomes de Paula, o trágico episódio deve ser motivo para uma discussão ampla sobre o papel da Polícia numa sociedade democrática, debate esse que deve ser travado na sociedade e dentro da corporação policial.

João Baptista Herkenhoff é Livre-Docente da Universidade Federal do Espírito Santo – professor do Mestrado em Direito, magistrado aposentado e escritor.

E-mail: jbherkenhoff@uol.com.brEste endereço de e-mail está protegido contra spam bots, pelo que o Javascript terá de estar activado para poder visualizar o endereço de email

segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

A Democracia para Marilena Chauí

Ah, eu sumi mesmo! Fazendo o bendito TGI para me formar... Aí o Pen Drive faz um favor de apagar tudo. Ah, não é possível!! Mas, metade dos problemas já solucionados, vamos a um texto ótimo que eu encontrei nesses dias de estudo. Fala um pouco sobre a Sobre a Cultura de Massa (ótimo!) e a democracia. E vamos lá! Bom Natal e ano novo! ho, ho, ho!! A Democracia para Marilena Chauí Henrique Ferraz Estudante de Arquitetura e Urbanismo da EESC-USP - Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo e-mail: henriqueferraz_arqurb@yahoo.com.br fonte: Revista Eletrônica de Ciências - Número 24 - Fevereiro / Março de 2004. http://cdcc.sc.usp.br/ciencia/artigos/art_24/demochaui.html “Se abandonar a ingenuidade e os preconceitos do senso comum for útil; se não se deixar guiar pela submissão às idéias dominantes e aos poderes estabelecidos for útil; se buscar compreender a significação do mundo, da cultura, da história for útil; se conhecer o sentido das criações humanas nas artes, nas ciências e na política for útil; se dar a cada um de nós e à nossa sociedade os meios para serem conscientes de si e de suas ações numa prática que deseja a liberdade e a felicidade para todos for útil, então podemos dizer que a Filosofia é o mais útil de todos os saberes de que os seres humanos são capazes” (Marilena Chaui). Marilena Chauí é filósofa e professora da Faculdade de Letras e Ciências Humanas da USP (FFLCH). Escreveu inúmeros livros, dos quais utilizo de um em específico para produzir este artigo: "Convite à Filosofia", de 1994. Nele, Marilena se apóia numa filosofia humanitária para esclarecer alguns dilemas mundiais e suas especificidades brasileiras. Indústria Cultural e Cultura de Massa Chauí trata a Modernidade como o fim de um processo que se inicia com a Filosofia grega: o Desencantamento do Mundo, do mito à razão, da magia à ciência. Mas, passado algum tempo, na sociedade pós-industrial (a partir de 1970) as artes deixaram de ser vinculadas à Religião ou à Nobreza e passam a uma nova servidão: do mercado capitalista e da indústria cultural. O consumo dos produtos culturais seguem no ritmo da fabricação em série. A arte, de mítica passa a material de consumo rápido e fácil, ditado por uma questão de moda volátil, mera propaganda e publicidade. Ao se massificar (mas sem se democratizar), a arte perde suas três características principais: * De expressivas, acabam como reprodutivas e repetitivas; * De criação, acabam como evento de consumo rápido e fácil; * De experimentação do novo, acabam como consagração do consagrado, sem qualquer inovação. A questão da nova "modalidade" artística passou a ser valorizada pela exposição, pela contemplação. Mas, com os novos patronos da arte - empresas de produção artística -, os interesses são voltados à fruição rápida, o que deixa de lado todo o trabalho individual e exclusivo do artista. Não se preocupa mais em conhecer o artista, mas sim se a arte será aceita pelo mercado.

Como dito anteriormente, a arte não se democratizou. Afinal, a Cultura deixou de ser direito universal para se tornar privilégio de poucos. O que seria teoricamente ampliado a todos pela massificação cultural, na prática, funciona de uma maneira mais perversa:

  • Por separar os bens culturais pelo valor de mercado, uma elite cultural consome o que há de melhor, enquanto o povo recebe algo sem qualidade, massificado, sem identidade. Isto introduz uma divisão social na arte, pobres e ricos em lados opostos;
  • A ilusão de que todos têm acesso à Cultura também é falsa, pois a divulgação cultural pré-seleciona, por horários e por público-alvo, o que cada um pode e deve ouvir, ver e ler;
  • O formato da arte considera que seu receptor será um espectador médio (ou, se preferir, medíocre), com capacidade mental mediana. Entenda médio como o senso comum cristalizado, algo massificado pela aceitação do mercado e que é repassado como novidade (para ser consumido avidamente e logo ser substituído por outra pseudo-novidade);
  • Cultura passa a ser lazer e entretenimento de fácil fruição, e não mais expressão artística e intelectual, o que vulgariza a arte e o conhecimento.

Os Meios de Comunicação

Por outro lado, os meios de comunicação são os responsáveis por dividir a programação em público (e seu respectivo poder aquisitivo) e horários, o que está intimamente ligado aos patrocinadores, que financiam tal programação através do intervalo comercial: ou seja, o conteúdo, a forma e o horário do programa são nada além de uma marca do patrocinador, mera imagem de sua empresa. O vínculo entre a verba oferecida pelos patrocinadores às emissoras de rádio e televisão é tão alto que tudo o que se noticia deve estar de acordo com o que agrada aos financiadores: assim, o direito à informação (que, em teoria, seria independente e imparcial) desaparece, dissipa-se. A desinformação atua por:

  • Falta de referência espacial (o espaço real é substituído pelo virtual, onde São Paulo, China, São Carlos e a Europa parecem igualmente próximos e, ao mesmo tempo, identicamente distantes);
  • Ausência de referência temporal (sem continuidade no tempo, causa ou conseqüências).

A substituição do mundo real por um mundo virtual, composto de retalhos e fragmentos da realidade, sem âncoras no espaço e no tempo. Esta inversão entre realidade e ficção é notável principalmente nas novelas, através de três procedimentos ideologicamente trabalhados:

  • O tempo da narração é lento, dando a ilusão que cada curto capítulo fosse um dia de nossas vidas;
  • As personagens, seus hábitos, linguagem, casas, etc, passam a impressão de um realismo tão grande para que a distância entre o espectador e a novela seja a mínima. Imbutido nisso, estão as marcas dos produtos e os modos de vida e de pensar que se divulgam na novela;
  • Assim, a novela passa por relato do real, enquanto o noticiário (que perdeu as referências temporais e espaciais) torna-se irreal. A prova disso são telespectadores que se comovem em demasia com a morte de uma personagem, enquanto um desastre real em algum lugar do mundo (seja na Rússia ou na Vila Pureza) passa por ouvintes inertes e insensíveis ao fato.

Mais um detalhe importante enquanto função da mídia contemporânea na deformação de mentes e intelectos: a dispersão da atenção e a infantilização. A mídia divide a programação em blocos de sete a onze minutos, separados por intervalos comerciais. Essa divisão do tempo condiciona o espectador a concentrar sua atenção durante os sete ou onze minutos e a desconcentrá-la durante a pausa publicitária. A atenção e a concentração, a capacidade de abstração intelectual e o exercício do livre pensar foram destruídos. Enquanto isso, a mídia também infantiliza seu público, pois uma atitude declaradamente infantil é não suportar a distância temporal entre seu desejo e a satisfação deste: uma criança chora muito exatamente porque é intolerável para ela a espera para realizar seus desejos.

E, assim, a mídia vem com promessas de gratificação instantânea. Cria o desejo ao mesmo tempo que oferece seus produtos (através da publicidade e da programação) para satisfazê-los. Se um canal ou uma estação de rádio não atraem, gira-se o dial, troca-se de canal e logo se tem novamente desejos e produtos para satisfazê-los. Também a programação se volta à modelos já consagrados, ao que já sabe-se e gosta-se, e como temos a Cultura como lazer e entretenimento, a mídia satisfaz exatamente nossos desejos mais primitivos, por não exigir atenção, concentração, crítica ou reflexão. Cultura cobra paciência, reflexão, concentração e espírito crítico, em outras palavras, maturidade. A mídia satizfaz por nada cobrar, a não ser que permaneçamos sempre infantis.

Mais um de seus traços característicos é um Autoritarismo disfarçado, sob falsa aparência de Democracia. Programas de aconselhamento sempre trazem a opinião de um especialista, que ensina como cuidar dos filhos, como criar cabras, como ver um jogo de futebol, um filme, uma foto, como viver e como pensar. Mas, ao tornar o público infantil, esta postura está carregada de intimidação social, pois o espectador, dócil e passivo, não só é ausente de crítica como acaba absorvendo os hábitos "recomendados" sem qualquer reflexão, tornando-se incompetente para viver e agir sem o apoio do especialista da mídia.

Perversa. Assim é a mídia, enquanto formadora de opinião de nosso país.

A Cidadania Liberal

O modelo de Estado Liberal apresenta-se como uma República Representativa, constituída dos três poderes:

  • O Executivo, encarregado de administrar o serviço público;
  • O Legislativo, encarregado de instituir as leis;
  • O Judiciário, encarregado de aplicar as leis.

Possui ainda um corpo de militares profissionais (Forças Armadas: ou seja, Exército e Polícia) e um corpo de servidores públicos (Burocratas) que são encarregados de cumprir as decisões dos três poderes perante os cidadãos. O Estado Liberal considerava inconcebível que um não-proprietário pudesse ser representante em qualquer um dos três poderes. Quando afirmava que qualquer cidadão era livre e independentes, nas entrelinhas pode-se interpretar que todos eram dependentes de suas posses, ou ainda que não eram livres quem nada possuísse. Assim, se excluíam do poder político os trabalhadores e as mulheres (ou seja, a maioria da sociedade). A idéia de contrato social (onde indivíduos isolados tornam-se multidão e esta em corpo político de cidadãos) não previa assim o direito à cidadania para todos, mas delimitava à uma classe social: a Burguesia (ou proprietários privados, como preferir).

Através de lutas sociais muito intensas, o Estado Liberal foi forçado a se tornar uma Democracia Representativa, ampliando assim a cidadania política plena e o sufrágio universal (voto secreto). Ainda assim, na América Latina, os índios não estavam incluídos em tal processo.

A Democracia como Ideologia

O Estado de Bem-Estar social foi implantado nos países capitalistas avançados do hemisfério norte com o nome de Welfare State. Surgiu durante a Guerra Fria como defesa capitalista de prevenção ao nazifacismo e à Revolução comunista, pois enquanto esplodia uma crise mundial, os sistemas acima criticavam acirradamente os princípios liberais (bases do capitalismo), fazendo com que os trabalhadores encontrassem neles contrapontos para as desigualdades do capital. Assim, o Estado de Bem-Estar social foi uma prática política para tentar corrigir os problemas econômicos e sociais inerentes à sua estrutura desigual. Mais à frente, tal postura foi implementada nos países do chamado Terceiro Mundo, para que nenhuma Revolução eclodisse, como que uma medida apaziguadora, uma reforma no Estado previnindo qualquer Revolução.

O Estado passa a intervir na economia, investindo em indústrias estatais, subsidiando empresas privadas, controlando taxas de juros, preços e salários. Também assume um montante de encargos sociais: saúde, educação, moradia, transporte, previdência social e seguro-desemprego, além de atender a demandas da cidadania, como o sufrágio universal. No Brasil, quem implantou tal modelo de prática política foi o estadista Getúlio Dorneles Vargas, a partir da década de 1930.

Os países mais fortes do bloco capitalista criaram outras medidas para controlar suas "colônias", como o Banco Mundial para o Desenvolvimento (BID) e o Fundo Monetário Internacional (FMI), os quais fizeram enormes empréstimos financeiros para investir em serviços sociais de seus interesses e em empresas estatais. Por outro lado, com requintados serviços de espionagem e uma fortíssima força bélica, ofereciam apoio e inteligência militar para reprimir revoltas populares e Revoluções, o que estimulou a proliferação de Ditaduras e regimes autoritários, como o caso do Brasil em 1964.

E, cinicamente, no centro do discurso político capitalista, temos a defesa da Democracia. Na verdade, os países do bloco socialista defendiam uma Democracia Social contra as desigualdades das Democracias Liberais, que abandona a sociedade aos interesses dos ricos e poderosos. Enquanto isso, os Estados capitalistas usavam do discurso da Democracia contra os totalitarismos de discursos sociais, e se equilibrava entre a opressão e a liberdade, a Ditadura e a Democracia. A única verdade que podemos ver entre este joguete de bem e mal (pensamento maniqueísta) é que a Democracia se firma como uma ferramenta ideológica que omite o que, no fundo, ela defende nas entrelinhas, dependendo do sistema político-econômico.

Liberalismo e Estado de Bem-Estar social (ou social-democracia) se diferem em relação aos direitos que defendem, mas se asemelham por serem regimes de Lei e Ordem para garantir liberdades individuais. Isso gera quatro condições, no mínimo, complicadas:

  • Liberdade e competição são positivas, tanto como competição econômica (livre-iniciativa) quanto competição política entre partidos;
  • A Lei serve para limitar o poder político contra a Tirania e para garantir os governos escolhidos pela vontade da maioria;
  • A Ordem para conter os conflitos sociais, impedindo a luta de classes (o interesse dos economicamente excluídos contra os interesses das elites econômicas) seja por repressão, seja por atender demandas sociais (emprego, educação, moradia, saúde, etc);
  • Assim a Democracia torna a política um instrumento de poucos (políticos profissionais), o que, de um lado forma uma elite de técnicos competentes à direção do Estado (evitando que extremistas e radicais tomem a cena política), enquanto, de outro, omite o povo de seus direitos políticos de cidadão, tendo apenas o papel de votar a cada quatro anos (passando assim seus direitos de escolha política nas mãos de um representante).

A Democracia se torna um regime político eficaz, baseado na idéia de cidadania política organizada em partidos políticos, manifestada no processo eleitoral, na rotatividade de governantes e nas soluções técnicas (não políticas) para problemas sociais. Assim, de acordo com o economista, filósofo e sociólogo alemão Karl Marx, a Democracia é uma ideologia política, formalista jurídica pelo direito de cidadania. Ou seja, defende tais direitos em meio a uma sociedade estruturada de maneira que tais direitos inexistem para a maioriada população. Democracia formal, e não concreta.

A Sociedade Democrática

Na prática democrática há uma verdade que tal ideologia deixa transparecer. Primeiro, eleições são meramente a rotatividade de governos ou a alternância do poder. O poder se torna um lugar vazio preenchido por representantes periódicos, e não identificado com os ocupantes do governo. Situação e oposição, maiorias e minorias: a sociedade é tratada como internamente dividida (legitimamente) e essa divisão é publicamente expressa. A democracia, assim, é a única forma política que legaliza e legitima o conflito.

Em segundo, igualdade e liberdade como direitos civis: ao tratar o cidadão um sujeito de direitos, se tais direitos não existem, é certo o direito (e o dever) de lutar por eles e exigi-los. Temos aqui o cerne da Democracia. Direito não é necessidade, carência ou interesse, características individuais que são tantas quanto os grupos sociais representados no país. Direito não é algo particular ou específico, mas sim geral e universal, válido para todos os indivíduos, grupos e classes socias. Uma sociedade é realmente democrática quando, além de eleições, partidos políticos, três poderes, respeito à vontade da maioria e das minorias, institui direitos.

Quando a Democracia foi inventada pelos atenienses, originalmente defendia três direitos essenciais: igualdade, liberdade e participação no poder:

  • Igualdade significa igualar os desiguais, seja por redistribuição de renda, seja por garantir a participação política. Mais a frente, Karl Marx defendeu que só haveria igualdade se existinguissem escravos, servos e assalariados explorados. A mera declaração de igualdade não quer dizer que automaticamente todos são iguais, mas que deve se instituir um instrumento eficaz para aplicá-la;
  • Liberdade significa o direito de qualquer cidadão expor em público interesses e opiniões, debatê-los e acatar a decisão pública da maioria (sendo aprovado ou rejeitado). Após a Revolução francesa, este direito se ampliou para a independência para escolher o ofício, o local de moradia, o tipo de educação, o cônjuge - consequentemente, a recusa das hierarquias supostamente divinas ou naturais. Também se acrescentou o direito que todos são inocentes até que se prove o contrário perante tribunal (e liberação ou punição devem ser dadas perante a lei). Os movimentos sociais ampliaram a liberdade ao direito de lutar contra todas as tiranias, censuras e torturas, contra toda exploração e dominação, seja social, religiosa, econômica, cultural ou política. Assim como a igualdade, o direito à liberdade é o dever de se instituir ferramentas para aplicá-la;
  • Participação no poder significa que todo cidadão tem competência para opinar e decidir, já que política não é uma questão técnica nem científica, mas uma ação coletiva. Da Democracia ateniense direta, passamos à moderna Democracia representativa, com o direito à participação indireto através de representantes. Surge o sufrágio universal e a garantia de que qualquer um possa se candidatar para ser representante (desde que não esteja sob suspeita de crime). Mais uma vez, temos a criação de um direito que necessita de ferramentas para se aplicar.
Assim, a Democracia se distingue por ser:
  • A única sociedade e regime que considera o conflito legítimo, como direito a ser reconhecido e respeitado, o que, quando organizado socialmente, limita o poder do Estado;
  • Uma sociedade verdadeiramente histórica, isto é, aberta ao tempo, ao possível, às transformações e ao novo. Logo, se transforma ao longo dos tempos para se moldar às novas necessidades.

Assim, temos a política democrática como o governo do povo, pelo povo e para o povo. Entretanto, existem as classes sociais que subdividem o povo em classes sociais antagônicas (como definido por Marx). A sociedade democrática não esconde suas divisões, mas as trabalha pelas instituições e leis. Todavia, dentro do capitalismo, o conflito de interesses é posto pela exploração de uma classe social por outra, mesmo que, ideologicamente, se afirme que todos são livres e iguais. Grandes obstáculos à verdadeira Democracia. As lutas sociais nos países de capitalismo avançado garantiram direitos e atenuaram tais dificuldades, mas por outro lado, os encargos destas conquistas recaíram sobre os trabalhadores dos países do Terceiro Mundo. Coincidentemente, enquanto nos países de capitalismo avançado se conquistavam tais direitos, nos países do Terceiro Mundo se implantavam os Regimes Ditatoriais.

Nos dias atuais esta situação fica mais complicada, pois as mudanças nos modos de produção capitalista contemporânea adapta os mercados toda vez que surge uma crise, deixando os custos da crise para a população economicamente mais pobre: o Neoliberalismo implica no abandono do Estado de Bem-Estar social (privatização) e o retorno da idéia de autocontrole da economia pelos mercados, afastando o Estado de tais decisões (desregulação). Soma-se a isto o avanço dos meios de comunicação e de tecnologias eletrônicas, como mudanças na automação da produção e na distribuição dos produtos, o que acarreta em desemprego em massa, movimentos racistas e exclusão social, política e cultural. Direitos conquistados tornam-se frágeis, pois os trabalhadores não são mais tão necessários neste novo cenário.

Outros obstáculos à Democracia situam-se também na questão que tange à participação política. A partir da segunda metade do século XX, surge um novo modelo de divisão social: dirigentes (recebem educação científica e tecnológica) e executantes (por não possuir conhecimentos tecnológicos ou científicos, apenas executam tarefas, sem conhecimento das finalidades de suas ações, considerados incompetentes e destinados a obedecer). Desta divisão, surge a capacidade contemporânea de quem manda e quem obedece, e deste fator temos uma nova ideologia: a competência tcnocientífica, ou seja, conhecimentos dão o poder de mando e direção. Com o fortalecimento da mídia, tal ideologia invadiu à política, de maneira que um indivíduo, para se candidatar a algum cargo, deve ser considerado um administrador competente. Política, assim, deixa de ser uma ação coletiva de todo e qualquer cidadão. Além disto, para ser "competente", deve ter recursos financeiros para estudar e adquirir tais conhecimentos - ou seja, "competentes" são sempre da classe economicamente dominante (o que gera interesses de classes acima de interesses coletivos e públicos). Por último, os meios de comunicação de massa em sua maioria estão vinculados à grupos de interesses econômicos, o que pode acarretar em informações transmitidas de maneira deturpada durante e fora dos períodos eleitorais. Esta informação é a base de que quase todos os eleitores se utilizam para se decidirem no momento do voto.

Ainda assim, deve-se lembrar que, mesmo com todos os obstáculos apresentados, somente em uma sociedade democrática podemos notá-los, discuti-los e superá-los.

Dificuldades para a Democracia no Brasil

Após o regime Militar, definiu-se que no Brasil implantou-se a Democracia, pois, a partir de então, temos eleições, partidos políticos, divisão da República em três poderes, liberdade de pensamento e expressão, contraposto ao Autoritarismo (golpe de Estado, sem eleições ou partidos políticos, o poder Executivo domina os outros dois, há censura do pensamento e da expressão, além da prisão de inimigos políticos). Portanto, ao contrapor as condições do Estado brasileiro, define-se o Brasil como uma Democracia. Mas esta visão exclui o autoritarismo social, muito presente em nosso país. Nossa sociedade é hierárquica, entre inferiores que obedecem e superiores que mandam. Além disso, temos um Autoritarismo violento, baseado em racismo, machismo, discriminação religiosa, social, desigualdade econômica, exclusão cultural e política. Deste modo, a prática da igualdade e da liberdade ficam debilitadas. Desta maneira, a sociedade brasileira fica polarizada entre carências das classes populares e os interesses das elites dominantes, sem alcançar a esfera dos direitos, transforma esta mesma polarização entre despossuídos e privilegiados. E tais privilegiados são os considerados competentes para a direção da sociedade.

Outro problema são o modelo dos partidos políticos, que basicamente se dividem em três:

  • Clientelistas, que mantêm relações de favores com seus eleitores;
  • Populistas, que tratam seus eleitores como um pai de família trata seus filhos menores;
  • Vanguardistas, que substituem seus eleitores pela vontade dos dirigentes.
Favores, paternalismo ou substituição evidenciam a indústria política, uma criação de imagem dos representantes por meio da mídia de massa, o que transforma eleitores em consumidores. Também a estrutura social de nosso país alimenta um imaginário de um político autoritário, "salvador da nação", quase que um messias enviado por Deus e referendado pelo voto da maioria, o que transforma eleitores em votantes (da escolha à delegação da competência de escolher para alguém). Uma espécie de concepção teocrática em que governantes são quase divindades e que suas escolhas tem força de lei.

As leis, por ser um espelho de privilégios (de dominantes) ou vontades (do governante), ficam longe de ser expressão de direitos ou decisões coletivas. O Judiciário é quase incompreensível, algo misterioso, místico, o que faz das leis incompreensíveis e ineficientes (daí a origem ao "jeitinho brasileiro" de transgredir normas para obter o almejado).

De acordo com as palavras de Marilena Chauí, "a Democracia, no Brasil, ainda está por ser inventada".

Fontes de Pesquisa:

Chauí, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo. Atica, 1994.

© Revista Eletrônica de Ciências - Número 24 - Fevereiro / Março de 2004.