quarta-feira, 7 de junho de 2006
A podridão da Revista Veja
Altamiro Borges*
Finalmente, o presidente Lula resolveu polemizar com a asquerosa
revista Veja, o que ajuda a combater as ilusões na pretensa
neutralidade da mídia. Na sua última edição, esse panfleto fascistóide o acusou,
sem qualquer prova, de possuir contas secretas no exterior. De imediato,
Lula protestou: "A Veja não traz uma denúncia, ela traz uma mentira. A
Veja tem alguns jornalistas que estão merecendo o prêmio Nobel de
irresponsabilidade. Eu só posso considerar isso um crime. Eu não posso
comparar isso a jornalismo. Não acredito que dentro da Veja tenha uma única
pessoa com 10% da dignidade e da honestidade que tenho".
Revelando seu cansaço diante das leviandades desta revista, Lula
atacou: "Não posso admitir isso. É uma ofensa ao presidente da
República, ao povo brasileiro e eu acho que essa prática de jornalismo não leva
o país a lugar nenhum. A Veja vem assim já há algum tempo, não é de
hoje não. Mas ela chegou ao limite da podridão da imprensa. Não sei se um
jornalista que escreve uma matéria daquela tem a dignidade de dizer que
é jornalista, ele poderia dizer que é bandido, mau-caráter, mau-feitor,
mentiroso. Os leitores pagam a revista, são induzidos a assinar e não
merecem a quantidade de mentiras que a Veja publica".
A reação do presidente é compreensível; ele até que foi muito
tolerante com sua postura de "lulinha paz e amor". Desde a sua posse, a
revista Veja se tornou o principal veículo da oposição de direita no
país. E a cada edição, conforme se aproxima a eleição presidencial e seu
candidato não decola, ela fica ainda mais raivosa e mentirosa. Na
edição anterior, chegou a estampar a foto do presidente com a marca de um
chute no traseiro e a chamá-lo de "bobo da corte". Antes, havia levado o
postulante Antony Garotinho à greve de fome ao estampar a sua foto com
chifres de diabo numa manobra sórdida para evitar que ele ultrapasse o
candidato da oposição liberal-conservadora, Geraldo Alckmin. Agora,
agride novamente o presidente.
As edições são produzidas meticulosamente com objetivos
político-eleitorais. A manipulação tem como alvo principal as
oscilantes camadas médias da sociedade. No caso do episódio da Bolívia, esta
sucursal do governo dos EUA visou implodir a integração latino-americana.
Para Gilberto Maringoni, ácido crítico da mídia, "a Veja, nessas horas,
supera qualquer parâmetro racional. Desejosa de fracionar a aliança
entre governos que rejeitaram a Alca e que tentam outro tipo de
integração, não subordinada a Washington, irá espernear cada vez mais". Já o
jornalista Alberto Dines, do Observatório da Imprensa, conclui que a Veja é
"um caso clássico de fascismo que nossa imprensa - apesar das mazelas -
não merece exibir".
Ninho tucano
O ódio da revista Veja contra o governo Lula e as esquerdas em geral
têm vários motivos. O primeiro é o de classe. A Editora Abril, que faz
parte do restrito clube das nove famílias que dominam a mídia no país,
defende com unhas e dentes os mesquinhos interesses da poderosa
burguesia - nacional e estrangeira. Ela não tolera a hipótese de um dia
perder os seus privilégios de classe. Teme qualquer acúmulo de forças
dos setores populares. Nunca engoliu a chegada ao Palácio do Planalto de
um ex-operário, ex-sindicalista, ex-grevista. Como afirma o teólogo
Leonardo Boff, é um problema de "cultura de classe".
Não é para menos que ela sempre teve relações estreitas com o PSDB,
que é o núcleo orgânico do capital rentista, e com o PFL, que
representa a velha oligarquia conservadora. Emílio Carazzai, por exemplo, que
hoje exerce a função de vice-presidente de Finanças do Grupo Abril, foi
presidente da Caixa Econômica Federal no governo FHC. Outra tucana
influente na família Civita, dona do Grupo Abril, é Claudia Costin, ministra
de FHC responsável pela demissão de servidores públicos, ex-secretária
de Cultura no governo de Geraldo Alckmin e atual vice-presidente da
Fundação Victor Civita.
Afora os possíveis apoios "não contabilizados", que só uma rigorosa
auditoria da Justiça Eleitoral poderia provar, a Editora Abril doou,
nas eleições de 2002, R$ 50,7 mil a dois candidatos do PSDB. O deputado
federal Alberto Goldman, hoje um vestal da ética, recebeu R$ 34,9 mil
da influente família; já o deputado Aloysio Nunes, ex-ministro de FHC,
foi agraciado com R$ 15,8 mil. Ela também depositou R$ 303 mil na conta
da DNA Propaganda, a famosa empresa de Marcos Valério que inaugurou um
ilícito esquema de financiamento eleitoral para Eduardo Azeredo,
ex-presidente do PSDB, depois utilizado pelo próprio PT.
O deputado Dr. Rosinha (PT-PR) ainda lembra que Alberto Goldman foi
relator, no governo FHC, da Lei Geral de Telecomunicações, que permitiu
investimentos externos na mídia. "A Abril possuía uma dívida líquida,
em 2002, de R$ 699 milhões. Em julho de 2004, fundos de investimento da
Capital International Inc se associaram ao Grupo Abril, beneficiando-se
da lei relatada por Goldman". Estes e outros episódios revelam as
afinidades político-partidárias dos donos da revista e ajudam a
entender a sua fúria.
Interesses alienígenas
Mas as ligações da Veja são ainda mais sombrias. Hoje ela serve aos
interesses das corporações dos EUA. A Capital International, terceiro
maior gestor de fundos de investimentos desta potência imperialista,
tem dois prepostos no Conselho de Administração do Grupo Abril - Willian
Parker e Guilherme Lins. Em julho de 2004, esta agência de especulação
financeira adquiriu 13,8% das ações da Editora Abril, numa operação
viabilizada pela emenda constitucional já citada, sancionada por FHC em
2002, que resultou na injeção de R$ 150 milhões na empresa. Com tamanho
poder, a ingerência externa na linha editorial é inevitável!
A Editora Abril também têm vínculos com a Cisneros Group, holding
controlada por Gustavo Cisneros, um dos principais mentores do
frustrado golpe midiático contra o presidente Hugo Chávez, em abril de 2002. O
inimigo declarado do líder venezuelano é proprietário de um império que
congrega 75 empresas no setor da mídia, espalhadas pela América do Sul,
EUA, Canadá, Espanha e Portugal. Segundo Gustavo Barreto, pesquisador
da UFRJ, as primeiras parcerias da Abril com Cisneros datam de 1995 em
torno das transmissões via satélites. O grupo também é sócio da DirecTV,
que já teve presença acionária da Abril. Desde 2000, os dois grupos se
tornaram sócios na empresa resultante da fusão entre AOL e Time Warner.
Ainda segundo Gustavo Barreto, "a Editora Abril possui relações com
instituições financeiras como o Banco Safra e a norte-americana JP
Morgan - a mesma que calcula o chamado ‘risco-país’, índice que designa
o risco que os investidores correm quando investem no Brasil. Em outras
palavras, ela expressa a percepção do investidor estrangeiro sobre a
capacidade deste país ‘honrar’ os seus compromissos. Estas e outras
instituições financeiras de peso são os debenturistas - detentores das
debêntures (títulos da dívida) - da Editora Abril e de seu principal
produto jornalístico. Em suma, responsáveis pela reestruturação da
editora que publica a revista com linha editorial fortemente pró-mercado e
antimovimentos sociais".
Pressão da sociedade
A indignada reação do presidente Lula contra mais uma leviandade
desta revista talvez ajude a dinamizar a campanha, lançada no Fórum
Social Brasileiro em 2003, sob o lema "Veja que mentira". O impulso foi
dado: "Isso é crime. Não posso comparar isso a jornalismo. Os leitores
pagam a revista, são induzidos a assinar e não merecem a quantidade de
mentiras que a Veja publica", afirmou. Seria um bom momento para a
imprensa sindical, com seus 7 milhões de exemplares mensais, engrossar a
campanha. Também seria a oportunidade para que o cidadão ou a entidade
ingresse com processos jurídicos contra a revista.
Por muito menos, a Justiça Eleitoral proibiu a circulação do jornal
da CUT com denúncias contra Geraldo Alckmin, num nítido atentado à
democracia. Porque não aprender as edições caluniosas e manipuladoras
deste panfleto fascista. A batalha é dura, mas não é impossível. Como
lembra José Arbex, autor do livro "O jornalismo canalha", o MST já
mostrou que isto é plausível, ao ganhar em primeira instância um processo
contra a Veja, que em maio de 2000 trouxe na capa o título terrorista "A
tática da baderna".
Não dá mais para silenciar diante dos abusos da Editora Abril, que se
sente acima do Estado de Direito, da democracia e da sociedade civil. A
omissão é quase um atestado de culpa. O mesmo vale para muitos
jornalistas que, por necessidade material ou puxa-saquismo, renegam a sua
formação profissional e ética. Como afirma Renato Rovai, editor da revista
Fórum, "esse jornalismo farsante e sangue-azul da Veja não atenta apenas
contra os valores da democracia e da ética profissional... Ele expõe ao
ridículo a imprensa enquanto instituição e o jornalismo como profissão.
Os profissionais mais jovens até merecem desconto. Os mais experientes,
calados, são cúmplices. Estão ajudando a desmoralizar a profissão".
* Jornalista, editor da revista Debate Sindical
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