segunda-feira, 15 de outubro de 2007

Matando pelo bem do Brasil

Mário Maestri* Em "Tropa de Elite", o singular não é o filme em si, mas o estrondoso sucesso antes mesmo do seu lançamento. Como película, a obra de José Padilha repete em geral as receitas inovadoras de "Cidade de Deus", sem o brilho do célebre longa-metragem de Fernando Meirelles: a criminalidade urbana como tema; o narrador como condutor da trama; os quadros dinâmicos em uma sucessão de clips. Uma espécie de plágio doce devido parcialmente ao fato de Bráulio Mantovani assinar os roteiros das duas películas. Na essência, os filmes são opostos. Em "Cidade de Deus", através da história da comunidade homônima, Fernando Meirelles relata a construção social do criminoso, para propor superação individual pela arte e pelo trabalho (fotografia) do destino do jovem favelado ao crime. Mantendo-se nos marcos da leitura da favela pela cidade, a câmara de Meirelles procura dar a voz aos protagonistas. No fundo, é leitura social otimista, ainda que ingênua. Não há meias cores em "Tropa de Elite", apesar do sinistro claro-escuro em que o filme se move. Os protagonistas e antagonistas são feitos de uma só peça: corruptos ou honestos às vísceras. Os únicos heróis são os policiais do BOPE, a sinistra tropa de elite carioca que, no filme, tortura, mata e morre em desesperada e incompreendida última defesa da civilização contra a barbárie, da cidade contra o morro. Ao iniciar a película, o narrador traça o quadro geral maniqueísta: "Se o Rio dependesse só da polícia tradicional, os traficantes já teriam tomado a cidade [...]". "Tropa de Elite" não cria muito. Limita-se a encenar sentimentos que ultrapassam os limites das classes altas e médias endinheiradas: a certeza de que a única solução para o crime, corporificação da maldade absoluta, é a mão-de-ferro da repressão sem piedade. Proposta com a qual a mídia martela uma imensa parcela da população que materializa, no sentimento de insegurança, o stress permanente produzido pelas incertezas e insatisfações da vida quotidiana. O que não significa que o filme não possua soluções imaginosas, como a inversão da ordem normal dos fatores sociais, ao apresentar a execução do horrível traficante "Baiano", branco, pelo honestíssimo Matias, policial e acadêmico de Direito, negro. Ou a melodramática superposição de papéis de Nascimento, o capitão do BOPE, organizador dos assassinatos e homem sensível à espera do primeiro filho, símbolo da inocência do mundo que defende, à custa de permanente descida ao inferno. O deputado quer apenas saber o "quanto" vai ganhar, ao se associar a policiais que chafurdam no crime. Os estudantes discutem as causas e as soluções da marginalização social mas, no frigir dos ovos, são drogados hipócritas, traficantes e queridinhos de criminosos. Nesse mundo em degringolada, o único remédio forte é a morte e a tortura ministradas profissionalmente por policiais incorruptíveis, que entregam a vida se necessário no cumprimento de suas missões. Tudo pelo bem do Brasil. José Padilha apenas dramatiza a apologia das execuções de populares pelas forças policiais, sob as ordens e cumplicidade das autoridades e os aplausos dos meios de comunicação. "Carandiru", de Hector Babenco, denunciou sem maior sucesso o mega-massacre da polícia militar paulista. Invertendo o sinal, "Tropa de Elite" glamouriza mortandades como as do Complexo do Alemão, em junho deste ano. Através da escusa da encenação do real, "Tropa de Elite" radicaliza as propostas de "Tolerância Zero" com a criminalidade, apresentadas incessantemente pela cinematografia estadunidenses de segunda linha. Sem pruridos, extrema insinuações de séries como "Lei & Ordem" sobre a legitimidade da execução e da tortura na obtenção de resultados louváveis: a eliminação do terrorista, a morte do traficante, a prisão do pedófilo. Em fins dos anos 1980, o sucesso da subliteratura de tema esotérico de Paulo Coelho registrou a crise geral da confiança nas soluções sociais racionalistas, devido à vitória mundial da maré neoliberal. No mundo fantástico do segundo governo Lula da Silva, enquanto cresce a dilaceração dos laços sociais e nacionais, os ricos tornam-se mais ricos e as classes médias viajam ao exterior despreocupadas com a inevitável ressaca do dia seguinte do real-maravilha. O sucesso de "Tropa de Elite" registra o conservadorismo crescente da população nacional, na esteira da fragilização do mundo do trabalho e mergulho geral das lideranças populares tradicionais na corrupção. É enorme vitória dos poderosos que policiais fardados de preto encarnem a solução da insegurança nacional, distribuindo a morte entre os pobres, sob a bandeira da caveira sorridente. "Tropa de elite, osso duro de roer, pega um, pega geral, também vai pegar você!". E, se não te cuidares, meu chapa, vai te pegar, mesmo! *Mário Maestri é professor do curso de História e do PPGH da UPF. E-mail: maestri@via-rs.net (retirado do site http://www.ivanvalente.com.br/)

6 comentários:

Anônimo disse...

Pri, você é inteligente demais para achar que esse texto faz algum sentido. Só posso concluir que você não viu o filme ainda.

Faça isso. É legal, tenso, eletrizante, bem-feito pacas. Eu recomendo.

Depois disso a discussão fica ainda melhor, pode ter certeza.

Pri disse...

Obrigada pelo elogio. Mas não concordo com você, Rafa.
Vi o filme sim. E assino embaixo desse texto. Não vi o filme até o final por que achei que estava vendo violência por violência, sem me acrescentar nada. Agora, no texto, fica a dúvida se o aoutor gosta ou não do filme. Ele só demonstra que o sucesso da película é proveniente da vontade de ver sangue da nossa querida sociedade e meios de comunicação, que tratam do mundo com maniqueísmo, assim como mostra o filme. Talvez esteja aí a única crítica ao filme: tratar dos policiais como bons ou mals. E o assassino é um homem bom, pq está defendendo a nossa sociedade contra os malditos bandidos.
O problema é que o vídeo conta a história de vida do policial.
O diretor do filme é bom. Fez o documentário do ônibus 174, no Rio. Recomeno também, e tem até nas grandes locadoras. O Notícias de uma Guerra Particular eu já te disse um milhão de vezes. São bem melhores que TRopa de Elite. Mesmo porque não fica mostrando a violência cotidiana - que provém de todas as partes - e sim faz o público refletir sobre o que está por trás de tanta violência.
Enfim, somo diz o texto, o filme reflete o ímpeto de assassinato à escória da sociedade, afinal, "Bandido bom é bandido morto", não pe mesmo?

Unknown disse...

O filme tropa de elite, é uma ótima produção e tenta trazer à luz o debate sobre o tema da violência policial.O filme foi muito bem interpretado pelo ator Wagner Moura, que é um ator novo,porém, já tem em suas bagagem,filmes como Carandirú e Deus é Brasileiro, entre outros.
Tropa de elite é um filme muito bom, mas não podemos perder de vista, algumas contradições e discursos subjacentes, que ao meu ver, estão muito mal elaborados e levam, não sei bem se com a intenção deliberada ,o público à reações de apoio à grupos de extermínio e ao uso da força e violência nas questões envolvendo segurança pública.
A contradição central do filme está no comportamento da personagem de André Matias,negro,aspirante a policial militar,culto, oriundo das classes populares do Rio de Janeiro que detém uma fé inabalável no poder da Justiça.O aspirante André MAtias é visto no filme como um negro culto e politizado que por seus próprios meios, conseguiu chegar a cursar direito, na melhor faculdade de direito do Rio de Janeiro que associei à UFRJ.Alcançou seu espaço entre as classes médias e elites brancas abastadas.O aspirante e estudante de direito faz um discurso ambiguo, quanto a sua condição de classe e de policial, e sua postura política ideológica.
Faz um discurso social pela não cooptação de crianças no tráfico, alimentadas pela hipocrisia da classe média e elites, mas ao mesmo tempo, defende com unhas e dentes uma ordem elitista, baseada na propriedade privada e nos valores voltados a manutenção da tranquilidade para sa classes médias e elites econômicas.
por sua condição de negro e das classes populares, é claro que a personagem poderia ser de direita, fascista e apologista do status quo, mas alguns elementos nos levam a pensar que mesmo nestas condições isto seria uma incoerencia total, pois que pessoa da classe popular alcançaria uma universidade pública , no caso um curso elitista e se prestaria a ser policial militar, já que o fato de ter alcançado tal posto, o livraria deste serviço pouco valorizado, em relação por exemplo à carreira jurídica.
Que policial culto e politizado é partidário da violencia, contra os seus iguais, defendendo a ordem que não lhe diz respeito, já que o protagonista é politicamente consciente?Segundo a entrevista do diretor no Roda Viva, José Padilha o filme vem trazer um debate à sociedade e não se constitui como uma obra voltada a apologia do fascismo e contra os diretos da sociedade.
Não é o que se verifica quando se conversa com amaioria das pessoas, principalmente da classe média, que veem no capitão Nascimento um herói e há uma forma de maniqueísmo, no discurso dos políciais corruptos e os do BOPE, reais defensores da Justiça e dos cidadãos.Me parece que a sociedade brasileira, principalmente a chamada "Classe mérdia" não tem capacidade intelectual de reflexão e análise crítica de um filme, passando a percebe-lo como uma verdade absoluta que realmente o filme retartasse com fidelidade.É uma pena.

Anônimo disse...

pri, eu já vi esses filmes que você citou. existe uma diferença conceitual deles para Tropa de Elite: eles são documentários!

A galera gostar não tem nada a ver com sede de violência. Caso contrário, filmes como O Poderoso Chefão não seriam tão aclamados. O pessoal gosta do filme porque é cativante, ponto. Tá todo mundo aqui no trabalho usando frases do filme, esse tipo de coisa. Isso não faz de nós fascistas ou pró-violência.

Pri disse...

Cativante? Policiais torturando e matando pessoas à revelia é cativante? Puts, eu não achei isso não. Mesmo. Tanto que não quis ver o filme até o final.
E acho sim que o sucesso do filme deve-se ao prazer que a sociedade tem em ver que os "bandidos culpados pela violência contra nossos filhos e nossa família" estão sendo punidos!
"Direitos humanos sim, mas para humanos direitos", já dizia o Afanázio - eca".
Talvez o diretor tenha querido trazer a discussão da violência generalizada, que está em todas as partes. Mas, se fosse essa a intenção, o tiro saiu pela culatra, por que ele conseguiu despertar o deleite coletivo de justiça que tanto pedem.

Anônimo disse...

bom, acho que se houve a intenção de abrir o debate, foi atingida com louvor. é aquela coisa, pode ser do gosto da veja, mas o diretor diz que é contra tudo, inclusive ele diz que o filme é contra o Bope exatamente por esse motivo que você disse, mostra eles torturando a galera.

eu disse cativante porque o Wagner moura é fantástico, tem uma voz profunda e a atuação dele é incrível, assim como os outros atores todos, policiais, traficantes e estudantes otários.