quarta-feira, 12 de abril de 2006

17/04/2006 - 10 Anos de Eldorado dos Carajás. Nenhum Punido.

Encontrei uma série de reportagens sobre esse assunto na Agência Notícias do Planato, para o qual o link encontra-se aí ao lado. Bom, as notícias têm suas versões escrita e falada - programa de rádio. As duas são quase idênticas. Aqui vai um link para todas as faladas e o melhor texto, pelo que li, de todos.

O dia 17 de abril

Sobreviventes relatam o histórico do massacre Áudio - O dia 17 de abril Localizado na Região Norte e com uma área equivalente a 16% do território nacional, o Pará é o estado líder na violência no campo. Nos últimos 30 anos mais de 700 trabalhadores rurais foram assassinados, devido a disputas por terra. A polícia concluiu o inquérito em apenas 11 dos casos, segundo a Comissão Pastoral da Terra (CPT). Entre eles, o do assassinato de 19 agricultores sem terra pela Polícia Militar, conhecido como Massacre de Eldorado dos Carajás, que completa uma década este ano. “A polícia veio, fez covardia com ‘nóis’, matou nossos companheiros”(Antonio Alves de Oliveira, 46 anos, tiros na perna) “Aquele dia foi sofrido. Eu não estava nem acredita”, (Raimunda Conceição Almeida, 62 anos, viúva de Leonardo Batista Almeida) “É uma coisa que jamais vai sair da memória da gente. Fica gravado. E acho que jamais ele pode ser esquecido” (José Sebastião de Oliveira, 57 anos, tiro na perna) No dia 05 de novembro de 1995, mais de 1.500 famílias ligadas ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) ocuparam a Fazenda Macaxeira, no município de Eldorado dos Carajás, no sul do estado. Segundo o movimento, a terra era usada somente para pasto pelo proprietário Plínio Pinheiro. Mesmo assim, era considerada produtiva pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Após cinco meses sem respostas sobre a desapropriação da área, as famílias iniciaram uma marcha rumo à Marabá. “Sempre dá um calafrio quando passo no lugar onde levei os tiros e vi os companheiros sendo baleados” (Domingos Reis da Conceição, 30 anos, tiros na perna) “Nós não queria guerra não. Nós ‘queria’ era terra pra trabalhar” (José Agarito, 28 anos, tiro no olho. Bala alojada no cérebro ainda hoje) “Foi a agonia mais triste do mundo. Cada dia que eu relembro aquilo parece que eu estou vivendo na hora” (Dalgisa Dias de Sousa, 50 anos, pancada no pescoço) O dia do massacre Em 17 de abril de 96, após nove dias de caminhada, sem comida e cansadas, as famílias bloquearam a rodovia PA-150, no trecho conhecido como curva do “S”. As negociações por alimento e transporte foram interrompidas pela decisão do governo do estado de liberar a estrada “a qualquer custo”. Para isso o então governador Almir Gabriel (PSDB) acionou a Polícia Militar. Dez anos depois, a equipe da Agência Notícias do Planalto foi ao local do massacre ouvir os diversos envolvidos no caso. “Os ônibus chegaram cheios de polícia. Não teve conversa não. Chegaram mesmo jogando bomba. Foi tiroteio” (José Agarito) “A polícia começou a se preparar, como se fosse para um combate. Corriam com as armas, mostravam, apontavam se ajoelhavam e nós olhando. Fechamos todas as portas e ficamos olhando pelas brechas” (Miguel Pontes, 42 anos, tiro na perna) “De acordo com eles mesmos era dar tiro em vivo ou morto. Quando ‘se’ demos conta, era bala pra cima de bala e nego caindo morto” (Meirton Germiniano, 29 anos, tiros na perna) De um lado o batalhão da cidade de Parauapebas comandado pelo Major José Maria Pereira de Oliveira. Do outro, o Coronel Mário Collares Pantoja e seus soldados de Marabá. Os sem-terra estavam cercados por 155 policiais fortemente armados. “O finado Amâncio surdo chegou lá pra frente. Aí o policial atirou nele. Na hora que ele caiu, atirou na cabeça dele. Resultado: 19 mortos, 69 feridos, peguei um tiro de fuzil aqui, fratura exposta” (Domingos Reis da Conceição) “Eu já tinha tomado 9 tiros” (Avelino Germiniano, 51 anos) “Tomei uma bala na perna...peguei outro tiro na perna de novo” (Meirton Germiniano) “Levei uma pancada no pescoço” (Dalgisa Dias de Sousa) Fim da chacina Encerrado o massacre, o cenário era de guerra. A equipe de reportagem da TV Liberal, presente no local, gravou a execução dos trabalhadores. Imagens que percorreram o mundo e chocaram a opinião pública. Seu Antônio Venceslau da Conceição, 61 anos, que mora ainda hoje na curva do “S”, chegou logo após as rajadas. “Foi um sofrimento a noite todinha. O pessoal ficava gritando aqui. Quem não estava baleado estava quietinho que não podia se mexer. Para todo o canto um gritava: ‘me faz socorro, estou com a perna quebrada, não posso sair’. Era pai chamando o filho. Filho chamando o pai. Irmão chamando irmão. A mãe chamando os filhos. Filho chamando mãe. Marido chamando a mulher. Sobrinho chamando tio...”, conta Seu Antônio. Nenhum policial foi morto e apenas um ficou ferido. Enquanto que o comando policial contabilizou oficialmente seis homens sem-terra mortos após a ação. Já no Instituto Médico Legal (IML) chegaram 19 corpos, número ainda questionado pelos sobreviventes, segundo Antônio Alves de Oliveira, o Índio, uma das 69 pessoas feridas.”Lá no dia a polícia apresentou 19, só que na minha idéia foi bem mais gente. É difícil você dar rajada de bala onde tem mulher, criança e homem, e morrer só homem. Um dia alguém vai descobrir. Deve ter morrido criança, mulher... Rajada de bala pra atingir só homem é complicado”, contesta. Além do número oficial de mortos que é contestado, as ocasiões dos assassinatos também geram polêmicas. De acordo com médico-legista Nelson Massini, indicado para o caso pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal, a maioria das vítimas foi executada com tiros na nuca, tórax, cabeça. Para ele foi um massacre típico, com uso de força desnecessária, imobilização das vítimas, seguida de execução sumária. Os que fugiram eram recapturados para serem liquidados. “Os sem-terra não morreram em confronto, morreram subjugados e imobilizados nas mãos da Polícia Militar”, afirmou Massini. Esta tese é reafirmada por Carlos Guedes, advogado do MST que acompanhou o caso. “Dos 19 mortos, pelo menos 13, de forma inquestionável foram executados após encerrada a operação policial. Isso foi demonstrado de forma muito segura no processo. Então as pessoas acham que o policial agiu de forma truculenta, irresponsável, atirou de forma maciça e acabou matando 19 pessoas. Não, não foi isso. O resultado desta ação truculenta foi 6 mortes e outras 13 pessoas foram executadas depois de feridos e imobilizados”, diz Guedes. Após três séries de julgamentos conturbados e um deles anulado, o resultado hoje é: 144 agentes da polícia absolvidos e os comandantes das tropas condenados. Ninguém está preso, pois o Major Oliveira e o coronel Pantoja recorrem a sentença em liberdade. Nem o ex-governador Almir Gabriel, nem o então secretário de Segurança Pública, Paulo Sette Câmara, sentaram no banco dos réus e sequer foram envolvidos formalmente no caso. Além de 69 sem-terra mutilados, três pessoas morreram em decorrência dos ferimentos nos últimos anos, elevando o número oficial de mortos para 22. Depoimento de sobrevivente do massacre: “Eu sou Dalgisa Dias de Souza, sobrevivente do Massacre de Eldorado dos Carajás. Até hoje vivo na luta graças a Deus e por tudo que passamos quero resistir. Eu quero que aconteça justiça, porque nosso sangue foi derramado.” ---------- Reportagem especial produzida pela Agência Notícias do Planalto Ficha técnica Enviadas especiais ao Pará: Beatriz Pasqualino e Nina Fideles Produção: Sofia Prestes Sonoplastia: Leandro Gregorine Os outros programas em áudio: Impunidade no caso O Massacre continua: mutilados e famílias das vítimas A vida dos sem-terra: Assentamento 17 de Abril

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