terça-feira, 13 de fevereiro de 2007

Condepe cobra respostas à onda de violência de maio de 2006

Em novo livro, Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana critica ausência de informações sobre inquéritos concluídos e pessoas indiciadas pelas mortes de policiais e civis ocorridas entre 12 e 20 de maio de 2006. Bia Barbosa – Carta Maior (do site) São Paulo – Esta semana, como resposta ao crescimento da violência no Rio de Janeiro – que teve como fato mais chocante o assassinato do menino João Hélio Fernandes, de seis anos, na última quarta-feira (7) – a Câmara dos Deputados deve votar sete projetos de lei relacionados à segurança pública: cinco deles propõem a alteração de dispositivos do Código de Processo Penal e os outros dois endurecem as penas para autores de crimes considerados hediondos. Não é a primeira vez que a resposta do Poder Público a crises na segurança se faz através dos chamados “pacotões” de leis. Pontuais, na opinião de especialistas do campo, eles dificilmente dão conta de provocar as mudanças estruturais necessárias ao enfrentamento da violência no país, que requerem medidas mais complexas de execução – mas, também, mais eficazes. Basta olhar o resultado concreto obtido com o pacote de segurança aprovado pelo Congresso logo após a onda de violência que atingiu São Paulo em maio do ano passado. A violência não diminuiu, e as 493 mortes por armas de fogo ocorridas entre os dias 12 e 20 daquele mês continuam sem explicação. É isso o que mostra o livro “Crimes de Maio”, lançado na última semana pelo Condepe, o Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, de São Paulo. O livro recupera o trabalho e a história da comissão independente – integrada por representantes do Ministério Público Federal, do Conselho Regional de Medicina (Cremesp), da Defensoria Pública, da Ouvidoria das Polícias, além de várias entidades defensoras dos direitos humanos – formada para apurar tanto os crimes cometidos pela facção PCC (Primeiro Comando da Capital) como aqueles que decorreram da reação da polícia aos ataques do crime organizado. Segundo a então secretária de Justiça e da Defesa da Cidadania de São Paulo, Eunice Aparecida de Jesus Prudente, o livro é uma obra de reflexão sobre a dicotomia violência/poder público. “Sobre como essa parceria acaba instituindo uma perversidade-de-mão-dupla, quando o canal escolhido é o abuso”, explica. E, como demonstram todos os estudos e levantamentos publicados em “Crimes de Maio”, foi este o canal escolhido pelo governo de São Paulo. No dia 1o de setembro de 2006, o Cremesp apresentou ao Ministério Público Estadual, ao Ministério Público Federal e à Defensoria Pública do Estado de São Paulo o relatório final da análise dos 493 laudos necroscópicos referentes ao período, coletados nos 23 IMLs do Estado, cujas necropsias associaram a causa mortis como decorrente de ferimentos por arma de fogo. O relatório complementou a análise quantitativa realizada anteriormente, já entregue às autoridades no dia 12 de junho, acrescentando informações como perfil das vítimas de ferimentos fatais por projéteis de arma de fogo; avaliação do número total de disparos que produziram ferimentos; regiões corporais atingidas e distância estimada do disparo. Segundo Desiré Carlos Callegari, presidente do Cremesp, entre os mortos de maio houve a prevalência do sexo masculino (96,3%), sendo apenas 18 mulheres (3,7%). A maioria das vítimas era jovem (45% com idade entre 21 a 31 anos; 16,5% entre 31 a 41 anos). Para um total de 493 vítimas, ocorreram 2.359 lesões a tiros. A média de disparos que levaram à morte foi de 5,8 por óbito o dia 15 de maio (máxima) e 3,7 tiros no dia 12 de maio (mínima). Quanto à proximidade, os disparos foram dados a longa distância em 87,42% dos casos; a curta distância em 10,34% e encostados em 2, 23%. Os ferimentos ocorreram principalmente no tórax (30,48%), seguidos pelos ferimentos na cabeça e pescoço (27,51%), nos membros superiores (16,57%); no abdome (14, 45%) e nos membros inferiores (9,87%). São consideradas áreas vitais o crânio, o tórax e o abdome. Dessas 493 pessoas mortas, 46 teriam sido vítimas criminosos que atacaram agentes públicos (23 policiais militares, 7 policiais civis, 3 guardas municipais, 9 agentes de segurança penitenciária e 4 cidadãos comuns). Dezessete seriam presos rebelados. Cento e nova seriam criminosos ou suspeitos mortos em confronto com a polícia (ocorrências registradas como “resistência seguida de morte”). E 87 pessoas, incluindo agentes públicos, teriam sido mortas por assassinos não identificados, com indícios de execução e denúncias de participação de policiais nas execuções (ocorrências registradas pela polícia como homicídio com “autoria desconhecida”). O perito criminal Ricardo Molina de Figueiredo integrou a Comissão Independente e encarregou-se de analisar os laudos onde constava “resistência seguida de morte”. Foram 124 pessoas com essa justificativa entre os dias 12 e 20 de maio – o maior número registrado até hoje em tão pouco tempo. A análise dos dados colhidos nesses 124 laudos revela três aspectos importantes, ressaltados pelo perito: que a maioria dos disparos atingiu as vítimas em regiões de alta letalidade; que grande parte das vítimas apresenta entradas de disparos com baixa dispersão, ou seja, com pouca distância entre eles, e que houve um número expressivo de disparos com direção “de cima para baixo”. “A combinação destes fatores aponta para situação mais compatível com aquela típica de execução e não de confronto com trocas de tiros, movimentação de atiradores, etc. Na situação de confronto os três aspectos acima são improváveis, mesmo se os considerarmos isoladamente. Como ocorrem, em muitos casos, simultaneamente, podemos afirmar que houve execuções”, afirma Molina, referindo a cerca de 60 a 70% dos casos registrados como “resistência seguida de morte”. As investigações da comissão independente também indicaram que a polícia não preservou o local dos crimes para a realização de perícia e que testemunhas não prestaram depoimentos à polícia. “Tais atitudes evidenciam a incapacidade oriunda de inércia, negligência, parcialidade ou falta de vontade política de o Estado brasileiro, por suas instituições e autoridades, levar a cabo, em toda a sua extensão, a persecução penal, especialmente no que tange às tarefas decorrentes da atribuição das polícias”, critica no livro a Secretária Executiva do Centro Santo Dias de Direitos Humanos, Adriana Loche. “Estes episódios são emblemáticos, pois revelam as características de uma política de segurança baseada no autoritarismo e na repressão arbitrária, cuja eficácia se mede pelo número de “suspeitos” mortos pelas forças de segurança”, completa. Em entrevista concedida aos organizadores de “Crimes de Maio”, o então secretário de Segurança Pública Saulo de Castro Abreu Filho afirmou que os policiais agiram dentro da lei. “Houve dois tipos de situações. Pessoas de carro ou moto que passavam por uma delegacia ou viatura e atiravam. Os policiais contra-atacaram e se defenderam. Se você fosse policial e estivesse lá teria feito o mesmo. Outros, que preparavam ataques, foram denunciados pela população, através do 190 ou do 181. Policiais confirmavam a informação e tentavam render os criminosos. É ingênuo imaginar que todos os bandidos se rendem diante da voz de prisão, principalmente se estiverem armados. Eles atiram pra matar, ao contrário da polícia, que atira em defesa da lei. A maior parte deles foi presa, o que mostra que os policiais agiram dentro da lei”. Inércia Mesmo com todas essas informações em mãos, de acordo com o Condepe, passados seis meses dos crimes de maio (quando o livro foi finalizado), a Secretaria da Segurança Pública não havia apresentado informações sobre inquéritos policiais concluídos e pessoas indiciadas pelas mortes de policiais e das outras vítimas da crise da segurança. “Autores de homicídios com “autoria desconhecida” não foram identificados, inclusive autores de homicídios de agentes públicos. Policiais que praticaram homicídios registrados como “resistência seguida de morte” não foram responsabilizados por uso excessivo da força. O Ministério Público, responsável pela propositura de ações penais e controle externo da atividade policial também não apresentou informações sobre pessoas denunciadas pelos homicídios praticados durante a crise da segurança pública”, afirma Paulo de Mesquita Neto, pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da USP. Na sua opinião, na seqüência da crise, conflitos políticos e eleitorais tomaram o lugar de investigações criminais, inquéritos policiais e processo judiciais. “Em meio à campanha eleitoral, o governo estadual tentou responsabilizar o governo federal, que por usa vez tentou responsabilizar o governo estadual pela crise da segurança. No governo estadual (...) a Secretaria da Segurança Pública tentou responsabilizar a Secretaria da Administração Penitenciária, que tentou responsabilizar a Secretaria da Segurança”, critica. A opinião da Defensoria Pública de São Paulo corrobora o caso. Para o Subdefensor Público-Geral Pedro Giberti, os elementos existentes nos inquéritos, apontando para situações de desvio de conduta e abuso de autoridade, eram fartos e concorrentes. “Todavia, a maioria esmagadora desses inquéritos não se transformou até a presente data em denúncias oferecidas pelo Ministério Público, sendo sepultados na vala comum do arquivamento, onde jaz a impunidade”, declarou. De 52 casos de suspeita de execução analisados pela Ouvidoria das Polícias, em 11 existiam indícios de participação de policiais, mas que também ainda não foram confirmados pelas corregedorias da Polícia Militar e da Polícia Civil, pelo DHPP (Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa) e pelo Ministério Público. Outros 16 casos, segundo a Ouvidoria, foram encaminhados à Justiça.

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