sexta-feira, 12 de maio de 2006

Lei Boliviana Desmente Cobertura da Mídia Brasileira

Tenho procurado textos sobre a situação da Petrobrás e do gás da Bolívia. Encontro uns que defendem e outros que são totalmente contra. Achei melhor postar um que conteste. Não que eu concorde 100%, mas o outro lado já está sendo muito bem defendido. Daremos voz ao outro. O primeiro texto é meio massante no começo, mas depois melhora. Depois vem o decreto do Evo. Meio extenso, mas vale a pena. E bom frio a todos, que não passa! Lei Boliviana Desmente Cobertura da Mídia Brasileira Por Gilberto Maringoni Fonte: Carta Maior, 3/5/2006 São Paulo - A maior parte da imprensa brasileira não pensou muito. Saiu logo atirando: “Brasil cria corvos na América do Sul” (Eliane Cantanhede) “, “Adiós Petrobrás” (manchete do Diário do Comércio), “Despreparo e improvisação” (Miriam Leitão) e “Golpe letal” (editorial do Estado de S. Paulo). Tudo leva a crer que estamos diante de uma declaração de guerra e da desapropriação unilateral de bens e propriedades do Brasil. Vigorou mais a bílis do que a racionalidade jornalística. Um exame detalhado no Decreto Supremo, assinado pelo presidente da Bolívia, nem de longe aponta para algo semelhante. “O que Evo Morales propõe não é arresto dos bens e ativos da companhia, mas uma repartição mais vantajosa nos royalties do gás”, aponta Fernando Siqueira, diretor da Associação dos Engenheiros da Petrobrás (Aepet). “Essa é uma promessa de campanha. Se a Petrobrás tiver cabeça fria e competência para negociar, não haverá problemas maiores. O Brasil é o melhor mercado para o gás boliviano”, completa ele. A letra da Lei Na realidade, o Decreto Supremo 28.701, aprovado em 1o de maio último, apenas reafirma e materializa as diretrizes já expressas na Constituição do país e reafirmadas na Lei de Hidrocarbonetos, aprovada , em 17 de maio de 2005. Não há neles uma só linha falando em desapropriação e arresto de ativos, como pinta a mídia brasileira. Mas, logo de saída, enfatiza-se que “O Estado recupera a propriedade e o controle total e absoluto dos recursos (naturais)”. É melhor colocar os fatos em ordem cronológica, para desembaralhar a confusão. A leitura pode ser um pouco árida, mas é esclarecedora. Vamos lá. A Constituição Política da República da Bolívia em seu artigo 139o. diz o seguinte: “As reservas de hidrocarbonetos, qualquer que seja o estado em que se encontrem ou a forma em que se apresentem, são de domínio direto, inalienável, imprescritível do Estado. Nenhuma concessão ou controle poderá conferir a propriedade das reservas de hidrocarbonetos. A prospecção, exploração, comercialização e transporte dos hidrocarbonetos e seus derivados são de responsabilidade do Estado”. A Constituição é de 1967 e sofreu cinco reformas até 2005. Portanto, é anterior ao governo Evo Morales. Em 18 de julho de 2004, após intensa pressão de movimentos sociais, é realizado o plebiscito sobre a exploração e comercialização do gás, ainda sob o governo do presidente Carlos Mesa (2003-2006). A posição vencedora era a de nacionalização do produto logo após sua extração, ou “na boca do poço”. Mesa cumpriu um mandato-tampão, após a queda do presidente Gonzalo Sánchez de Losada, por conta dos protestos contra a política de exportação de gás. Na promessa de Mesa constava a edição de uma nova lei de hidrocarbonetos. A regulamentação do petróleo A palavra é cumprida e, em 17 de maio de 2004, uma nova norma é aprovada. Clique aqui para ler a íntegra . Em seu artigo 5o., ela refere-se tanto ao plebiscito, quanto ao artigo 139o. da Constituição, afirmando proceder a recuperação “da propriedade de todos os hidrocarbonetos na boca do poço para o Estado boliviano. E o Estado exercerá, através de Yacimientos Petrolíferos Fiscales Bolivianos (YPFB), seu direito proprietário sobre a totalidade dos hidrocarbonetos”. Mesa não tinha nada de “populista”, ou de “nacionalista retrógrado”, como a imprensa acusa Evo Morales. Ao contrário. Trata-se de um empresário sem participação política anterior ao seu mandato. A lei dedica seu artigo 6o. à refundação da YPFB, cujos ativos haviam sido quase totalmente privatizados nos últimos anos. O artigo 8o. “dispõe que o Estado reterá 50% do valor da produção de gás e petróleo”, de acordo com o plebiscito. Mais adiante, o artigo 53º. cria “o Imposto Direto dos Hidrocarbonetos (IDH)”. No item seguinte, afirma-se que “A alíquota do IDH é de 32% do total da produção (...) medida no ponto de fiscalização”. Assim, pela soma da repartição dos royalties e pela cobrança de impostos, chega-se aos 82% destinados ao Estado boliviano. Repetindo: todo o relatado acima aconteceu ANTES da posse de Evo Morales. Impostos e Nacionalização O recente decreto de Morales, apenas tenta fazer com que as leis anteriores “peguem”. Assim, seu artigo 2o. ela afirma: “A partir de 1o. de maio de 2006, as empresas petroleiras que atualmente realizam atividades de produção de gás e petróleo no território nacional estão obrigadas a entregar à YPFB toda a produção de hidrocarbonetos”. O tópico seguinte demarca: “Só poderão seguir operando no país as companhias que acatem imediatamente as disposições do presente decreto (...), até que num prazo não maior a 180 dias de sua promulgação, se regularize a atividade mediante contratos que cumpram as condições e requisitos legais e constitucionais. Ao término deste prazo, as companhias que não firmarem contratos não poderão seguir operando no país”. O ponto central da lei está em seu artigo 4º.: “Durante o período de transição, para os campos cuja produção (...) de gás natural no ano de 2005 tenha sido superior a 100 milhões de pés cúbicos diários, o valor da produção se distribuirá da seguinte forma: 82% para o Estado (18% de regalias e participações, 32% de imposto direto e 32% através de uma participação adicional para a YPBF) e 18% para as companhias”. A nacionalização – ressalte-se novamente, sem confisco – está no artigo 7o. “Se nacionalizam as ações necessárias para que a YPBF controle com o mínimo de 50% mais 1 as empresas Chaco S.A. (British Petroleum), Andina S.A. (Repsol espanhola), Transredes AS (Enron), Petrobrás Bolívia Refinación AS e Compañía Logística de Hidrocarburos de Bolivia SA. (Oiltanking GmbH alemã)”. Em entrevista ao jornal boliviano La Razón , o vice-presidente boliviano Alvaro Garcia Linera adverte que os 180 dias compreendem “um período de transição, em que ainda não estão vigentes velhos contratos, e tampouco estão definidos os novos”. Segundo ele, nestes meses acontecerão auditorias “empresa por empresa, para examinar-se seus investimentos, custos, gastos de operação, rentabilidade e como irão se fixar os novos ingressos para o estado e para as companhias”. FHC provoca prejuízo “A reação da imprensa deveria ter ocorrido quando a Petrobrás assinou contratos de gás com a Bolívia”, aponta Fernando Siqueira. Segundo ele, “Por pressão de FHC, ela assumiu o gasoduto boliviano, quando ainda não existia aqui mercado para o gás. Durante cinco anos, a empresa importou 18 milhões de metros cúbicos do produto e pagou por 25 milhões, pois a atividade era anti econômica”. Não era exatamente à Bolívia que os pagamentos eram feitos. Os destinatários eram as empresas Total (França), Repsol (Espanha), Amaco (EUA) e Enron (EUA). Elas exploravam, em 1998, reservas de 400 milhões de metros cúbicos e pressionaram o Brasil a mudar sua matriz energética hídrica, criando assim mercado para o gás. “A Petrobrás fez um contrato absurdo e ninguém reclamou porque ela era 90% estatal”, ressalta Siqueira. As possíveis perdas são, seguramente, menores do que as do contrato firmado no governo tucano, assegura. Na época, a empresa assumiu o risco cambial e uma série de outras incertezas. “O que acontece hoje? FHC vendeu cerca de 40% do capital em Wall Street e mais 19% foi para gente como Benjamin Steinbruch e Daniel Dantas. O Estado detém apenas 32% da empresa, embora tenha a maioria dos votos”, diz ele. Os acionistas privados agora pressionam o governo e a imprensa, resultando nessa grita toda. Decreto Supremo 28071 Evo Morales Ayma Presidente Constitucional da República Herois do Chaco: Considerando: Que em históricas jornadas de luta o povo conquistou à custa do seu sangue o direito a que a nossa riqueza em hidrocarbonetos volte às mãos da nação e seja utilizada em benefício do país. Que no Referendo Vinculante de 18 de Julho de 2004, através da contundente resposta à pergunta 2, o povo decidiu, de maneira soberana, que o Estado Nacional recupere a propriedade de todos os hidrocarbonetos produzidos no país. Que, de acordo como expressamente disposto nos Artigos 136, 137 e 139 da Constituição Política do Estado, os hidrocarbonetos são bens nacionais de domínio originário, directo, inalienáveis e imprescritíveis do Estado, razão pela qual constituem propriedade pública inviolável. Que, por mandato do inciso 5 do Artigo 59 da Constituição Política do Estado, os contratos de exploração de riquezas nacionais devem ser autorizados e aprovados pelo Poder Legislativo, critério reiterado na sentença do Tribunal Constitucional Nº 0019/2005 de 7 de Março de 2005. Que esta autorização e aprovação legislativa constitui o fundamento do contrato de exploração de riquezas nacionais por tratar-se do consentimento que outorga a nação, como proprietária destas riquezas, através dos seus representantes. Que as actividades de exploração e produção de hidrocarbonetos se estão a efectuar mediante contratos que não cumpriram com os requisitos constitucionais e que violam expressamente os mandatos da Carta Magna ao entregar a propriedade da nossa riqueza em hidrocarbonetos a mãos estrangeiras. Que expirou o prazo de 180 dias, indicado pelo Artigo 5 da Lei Nº 3058, de 17 de Maio de 2005, Lei dos Hidrocarbonetos, para a assinatura obrigatória de novos contratos. Que o chamado processo de capitalização e privatização da Yacimientos Petrolíferos Fiscales Bolivianos (YPFB) significou não só um grave dano económico ao Estado como também um acto de traição à pátria ao entregar em mãos estrangeiras o controle e a direcção de um sector estratégico, atingindo a soberania e a dignidade nacionais. Que, de acordo com os Artigos 24 e 135 da Constituição Política do Estado, todas as empresas estabelecidas no país são consideradas nacionais e estão submetidas à soberania, leis e autoridades da República. Que é vontade e dever do Estado e do Governo Nacional nacionalizar e recuperar a propriedade dos hidrocarbonetos, em aplicação ao disposto na Lei dos Hidrocarbonetos. Que o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, assim como o Pacto dos Direitos Económicos e Culturais, subscritos a 16 de Dezembro de 1966, determinam que: "Todos os povos podem dispor livremente das suas riqueza e recursos naturais, sem prejuízo das obrigações que derivam da cooperação económica internacional baseada no princípio do benefício recíproco, assim como no do direito internacional. Em nenhum caso poderá privar-se um povo dos seus próprios meios de subsistência". Que a Bolívia foi o primeiro país do Continente a nacionalizar seus hidrocarbonetos, no ano de 1937, à Standard Oil Co., medida heróica, que foi tomada novamente no ano de 1969 afectando a Gulf Oil, correspondendo à presente geração levar adiante a terceira e definitiva nacionalização do seu gás e do seu petróleo. Que esta medida se inscreve na luta histórica das nações, movimentos sociais e povos originários para reconquistar nossas riquezas como base fundamental para recuperar nossa soberania. Que pelo exposto corresponde emitir a presente disposição, para levar adiante a nacionalização dos recursos em hidrocarbonetos do país. Em Conselho de Ministros Decreta: Artigo 1 - No exercício da soberania nacional, obedecendo ao mandato do povo boliviano expresso no Referendo vinculante de 18 de Julho de 2004 e em aplicação estrita dos preceitos constitucionais, nacionalizam-se os recursos de hidrocarbonetos do país. O Estado recuperar a propriedade, a posse e o controle total e absoluto destes recursos. Artigo 2 I. A partir de 1 de Maio de 2006, a empresas petroleiras que actualmente realizam actividades de produção de gás e petróleo no território nacional estão obrigadas a entregar em propriedade à Yacimientos Petrolíferos Fiscales Bolivianos (YPFB) toda a produção de hidrocarbonetos. II. A YPFB, em nome e em representação do Estado, no exercício pleno da propriedade de todos os hidrocarbonetos produzidos no país, assume a sua comercialização, definindo as condições, volumes e preços tanto para o mercado interno como para a exportação e a industrialização. Artigo 3 I. Só poderão continuar a operar no país as companhias que acatem imediatamente as disposições do presente Decreto Supremo, até que, num prazo não superior a 180 dias a partir da sua promulgação, se regularize sua actividade, mediantes contratos que cumpram as condições e requisitos legais e constitucionais. No termo deste prazo, as companhias que não hajam firmado contratos não poderão continuar a operar no país. II. Para garantir a continuidade da produção, a YPFB, de acordo com directivas do Ministério dos Hidrocarbonetos e Energia, tomará a seu cargo a operação nos campos das companhias que se negarem a acatar ou impeçam o cumprimento do disposto no presente Decreto Supremo. III. A YPFB não poderá executar contratos de exploração de hidrocarbonetos que não hajam sido individualmente autorizados e aprovados pelo Poder Legislativo em pleno cumprimento do mandato do inciso 5 do Artigo 59 da Constituição Política do Estado. Artigo 4 - I. Durante o período de transição, para os campos cuja produção certificada média de gás natural do ano 2005 haja sido superior aos 100 milhões de pés cúbicos diários, o valor da produção será distribuído da seguinte forma: 82% para o Estado (18% de royalties e participações, 32% de Imposto Directo aos Hidrocarbonetos, IDH, e 32% através de uma participação adicional para a YPFB), e 18% para as companhias (o que cobre custos de operação, amortização de investimentos e lucros). II. Para os campos cuja produção certificada média de gás natural do ano 2005 tenha sido inferior a 100 milhões de pés cúbicos diários, durante o período de transição será mantida a actual distribuição do valor da produção de hidrocarbonetos. III. O Ministério dos Hidrocarbonetos e Energia determinará, caso a caso e mediante auditorias, os investimentos realizados pelas companhias, bem como suas amortizações, custos de operação e rentabilidade obtida em cada campo. Os resultados das auditorias servirão de base à YPFB para determinar a retribuição ou participação definitiva correspondente às companhias nos contratos a serem firmados de acordo com o estabelecido no Artigo 3 do presente Decreto Supremo. Artigo 5 I. O Estado toma o controle e a direcção da produção, transporte, refinação, armazenagem, distribuição, comercialização e industrialização dos hidrocarbonetos no país. II. O Ministério dos Hidrocarbonetos e Energia regulará e estabelecerá as normas destas actividades até que sejam aprovados novos regulamentos de acordo com a Lei. Artigo 6 I. Em aplicação do disposto pelo Artigo 6 da Lei dos Hidrocarbonetos, transferem-se como propriedade para a YPFB, a título gratuito, as acções dos cidadãos bolivianos que faziam parte do Fundo de Capitalização Colectiva nas empresas capitalizadas Chaco SA, Andina Sa e Transredes SA. II. Para que esta transferência não afecte o pagamento do BONOSOL, o Estado garante a reposição dos aportes de dividendos que estas empresas entregavam anualmente ao Fundo de Capitalização Colectiva. III. As acções do Fundo de Capitalização Colectiva que estão em nome dos Administradores de Fundos de Pensões nas empresas Chaco SA, Andina SA e Transredes SA serão endossadas em nome da YPFB. Artigo 7 I. O Estado, recupera sua plena participação em toda a cadeia produtiva do sector de hidrocarbonetos. II. Nacionalizam-se as acções necessárias para que a YPFB no mínimo 50% mais 1 nas empresas Chaco SA, Andina SA, Transredes SA, Petrobrás Bolívia Refinación SA e Compañia Logística de Hidrocarburos de Bolívia SA. III. A YPFB nomeará imediatamente seus representantes e síndicos nos respectivos directórios e firmará novos contratos de sociedade e administração nos quais se garanta o controle e a direcção estatal das actividades de hidrocarbonetos no país. Artigo 8 - Em 60 dias, a partir da data de promulgação do presente Decreto Supremo e dentro do processo de refundação da YPFB, será procedida a sua reestruturação integral, convertendo-a numa empresa corporativa, transparente, eficiente e com controle social. Artigo 9 - Em tudo que não seja contrário ao disposto no presente Decreto Supremo, continuarão a ser aplicados os regulamentos e normas vigentes nesta data, até que sejam modificados de acordo com a lei. Os Senhores Ministros de Estado, o Presidente da YPFB e as Forças Armadas da Nação ficam encarregados da execução e cumprimento do presente Decreto Supremo. Feito no Palácio do Governo da cidade de La Paz, no primeiro dia do mêsde Maio do ano dois mil e seis. Fdo. Evo Morales Ayma, David Choquehuanca Céspedes, Juan Ramón Quintana Taborga, Alicia Muñoz Alá, Walker San Miguel Rodríguez, Carlos Villegas Quiroga, Luis Alberto Arce Catacora, Abel Mamani Marca, Celinda Sosa Lunda, Salvador Ric Riera, Hugo Salvatierra Gutiérrez, Andrés Soliz Rada, Walter Villarroel Morochi, Santiago Alex Gálvez Mamani, Ministro de Trabajo e Interino de Justicia, Félix Patzi Paco, Nila Heredia Miranda. A transcrição do original encontra-se em http://listas.nodo50.org/cgi-bin/mailman/listinfo/diariodeurgencia

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