quinta-feira, 26 de outubro de 2006

Os Puros

Por Izaías Almada* (Recebido por e-mail, tendo como fonte citada o site da revista Caros Amigos. ) Chegamos e vamos passando, afinal, pelas controvertidas eleições de 2006... Tenho procurado acompanhar, não só pelos jornais e pela televisão -é claro – onde se mente mais do que se fala a verdade ou, se quiserem, onde se omite mais, a disputa pelo poder político que renova (ou não) agora em outubro muitos dos seus quadros. E nessa observação pude, aqui e ali, conversar com empregadas domésticas(como a minha, por exemplo), varredores de rua, com seguranças de prédios e lojas, com motoristas de táxi e de transporte público, alguns nordestinos com parentes na Paraíba, no Piauí, na Bahia, gente que trabalha no comércio, enfim, pessoas que moram na periferia de São Paulo e que – muitas delas – levam três horas para chegarem ao trabalho e outras três para regressarem às suas casas. E sabem o que boa parte dessa gente fala? Que o dinheirinho está dando para comprar a cesta básica e ainda sobra algum. Que muitos produtos não subiram de preço nos últimos quatro anos e que alguns até baixaram. Que já não se gasta tanto em transporte coletivo quanto se gastava (pelo menos, na cidade de São Paulo), que muita coisa já dá para comprar a prestação e que antes não dava. Pela primeira vez, em muitos anos, o salário mínimo (ainda pífio) supera a casa dos 120 dólares. Contaram-me, inclusive, um fato curioso que se deu na periferia de Osasco, onde um candidato a deputado fazia a sua campanha. A comitiva foi convidada a comer “a picanha do Lula”. Um dos assessores do candidato em campanha foi logo alertando que em tempos de campanha é proibido, pela lei eleitoral, pagar almoços em nome de candidatos. A situação foi esclarecida pelo homem que fizera o convite. “Não se preocupem”, disse ele, “ninguém está pagando nada para nós. É que agora nós podemos de vez em quando comer uma picanha nos fins de semana e antes era bem difícil. Por isso é que nós chamamos de picanha do Lula.” São os donos de sua força de trabalho contentes por “dar ao dente”. Na outra ponta do arco social somos confrontados a cada trimestre ou semestre com os imorais lucros dos nossos bancos, do grande sucesso da nossa agroindústria quase monocultora e transgênica, da queda (ainda tímida) dos juros e “spreads” bancários, e por aí afora. Senhores do poder de fato, apoiados por uma “imprensa independente e imparcial”, a turma que há 500 anos infelicita o povo brasileiro, os endinheirados, com dentes limpos e bem tratados, roupas finas, querendo livrar o país “dessa raça” suja e mal vestida. São os donos do capital felizes “por embolsar mais algum”. Entre esses dois extremos estamos muitos de nós. Não embolsamos lucros e nem vendemos a nossa força de trabalho abaixo do salário mínimo. Sobrevivemos. E, dirão alguns, honestamente. Que seja! Entre esses dois extremos estão os fazedores de opinião na imprensa, nas universidades, nas igrejas, nos quartéis, nos partidos políticos, esse enorme pelotão de classe média, muitos sonhando individualmente com a própria ascensão social. Outros, desejando-a para um número maior de seus semelhantes. E é nesse pelotão intermediário que se encontram os puros. Aqueles que elegeram a ética como um valor abstrato, longe da convivência dos homens, algo assim que só estivesse à altura dos eleitos, dos sábios, dos que não pecam. Como alguns intelectuais que, distantes da periferia das grandes cidades ou dos grotões interioranos desse imenso Brasil, que observam a realidade do país através de suas grossas lentes e das janelas de seus confortáveis apartamentos e escritórios pós-modernos. Alguns até se dizem de esquerda, seja lá o que isso signifique para eles. São historiadores, professores, sociólogos, filósofos, jornalistas, todos a deitar falação sobre corrupção, ética, honestidade, muitos deles esquecidos de que ajudaram a criar o “monstro” que agora combatem. Refiro-me ao presidente Lula e ao PT. Atenção, senhores cabeças pensantes! O sistema, até prova em contrário, ainda se chama capitalista. Vive do lucro e da mais-valia, da exploração do trabalho assalariado. Vive do lucro e incentiva o sucesso pessoal. Transforma tudo e todos em mercadoria. Idolatra o dinheiro e – sem esses ingredientes – você é um fracassado, um perdedor, um pobre. O sistema cria ilusões e mentiras, mas não oferece a todos as mesmas oportunidades para usufruírem de suas benesses. É natural, pois, e eu diria quase axiomático, que muitos cidadãos se corrompam para poder sobreviver, pois deles – com certeza e nesse sistema – não será o reino dos céus. E, quando se trata de conseguir ou manter o poder político, essa opção é ainda mais arraigada. Qual é a surpresa, então? Quem criou o PT e nele esteve muitos anos, que o embale ou que o refaça e não fique aí pelos cantos a chorar sobre o leite derramado. Não fique por aí a andar de mãos dadas com a direita mais conservadora e reacionária do país num momento em que o povo (e eu estou falando de povo mesmo, dos mais fodidos, dos analfabetos, dos doentes, dos subnutridos, dos desempregados, dos sem terra, dos sem casa, dos sem escola) já anda cansado dos profetas do paraíso terrestre por um lado e da escória que nos governa há quinhentos anos, do outro. Chega de hipocrisia! O povo quer saber de pão e trabalho, pois o circo ele já tem nas novelas de televisão, no futebol movido a lavagem de dinheiro, nas CPIs e em várias das sessões do Congresso Nacional... *Izaías Almada é escritor e dramaturgo

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