quinta-feira, 23 de fevereiro de 2006

Não é só o Hamas que tem de mudar

Engraçado que a Globo ,os EUA e todos que têm seu cérebro já tomado por suas idéias só consideram terrorismo o que vem dos palestinos. Dos israelenses não. Que coisa, não? Ainda bem que tem mais gente que pensa assim e escrve sobre isso!

Não é só o Hamas que tem de mudar

Luiz Eça Do site Correio da Cidadania O Hamas deve renunciar ao terrorismo, desarmar-se e reconhecer o estado de Israel. Parecem justas as exigências da Comunidade Européia, dos Estados Unidos e de Israel para o aceitarem como interlocutor na discussão do futuro Estado palestino. Mas não é bem assim. Para não haver parcialidade, Israel deveria também renunciar ao terrorismo de Estado que vem praticando através dos “assassinatos seletivos”, com sua Força Aérea e o Mossad, eliminando árabes considerados terroristas perigosos. É uma reedição do “esquadrão da morte”. O governo israelense assume as funções de polícia, promotor público, juiz e carrasco, num processo absolutamente contrário ao Direito dos povos civilizados, no qual o réu não tem chance de defesa, os suspeitos viram criminosos e pessoas sem culpa podem pagar por erros de investigação. Sem falar nas muitas vítimas inocentes cujo único “crime” foi estar no lugar errado, como aconteceu no assassinato de Sadah Sihata, líder do Hamas, quando foram mortos também 15 civis, inclusive 9 crianças. Por tudo isso, a ONU condenou expressamente esta estranha política do governo de Israel, exigindo que ele a interrompesse. Não foi obedecida e o veto americano garantiu as transgressões dos seus fiéis aliados. Não se entende também por que o governo de Israel exclui qualquer tipo de conversação com o Hamas por ele ser terrorista. Afinal, não tem muita autoridade para isso. “Nem a moralidade judaica, nem a tradição judaica podem negar o uso do terror como meio de batalha”, justificava um texto do movimento judaico Lehi, que, em 1947, durante as lutas pela formação do Estado de Israel, praticava atentados terroristas contra os árabes e os ingleses, governantes da Palestina sob mandato da ONU. O Lehi (também chamado gang Stern) tem na sua folha corrida ações assim: - assassinato do Conde Folke Bernadotte, mediador da ONU entre árabes e judeus, e de Lord Moyne, embaixador especial inglês no Oriente Médio; - destruição da aldeia árabe de Der Yassin (então excluída de ações bélicas por um pacto árabe-judaico), com o massacre de cerca de 120 pessoas, inclusive mulheres e crianças; - envio de cartas-bombas a políticos ingleses. Por sua vez, outro movimento terrorista judaico, o Irgun Zvai Leumi, foi responsável por 200 atentados contra árabes e ingleses, entre os quais o enforcamento de dois sargentos britânicos em represália à execução de um militante que explodira um ônibus cheio de árabes. Foi o Irgun quem explodiu o hotel Rei Davi, onde estava instalada a administração inglesa, matando 200 pessoas, entre elas muitas mulheres e crianças. Em 1948, com o estabelecimento do Estado judeu, os militantes do Lehn e do Irgun integraram-se no exército do país. É importante lembrar que seus chefes eram personalidades do establishment político, como, por exemplo, Menachen Begin e Yiztwakh Samir, que, posteriormente, chegaram a primeiro-ministro pelo Likud, partido direitista. Se as potências dominantes quiserem ser justas, devem exigir que tanto judeus quanto árabes renunciem formalmente a seus respectivos terrorismos. Ou que não se considere isso como pré-condição para as partes se reunirem na discussão da paz, mas como um dos objetivos finais a serem alcançados. Claro, é necessário cessarem os atentados desde logo. A segunda exigência dos países ocidentais será atendida facilmente. O Hamas já declarou que pretende dispensar seus militantes armados simplesmente integrando-os no exército palestino a ser formado. Como, aliás, o Irgun e o Lehi fizeram em 1948. Mas ainda subsiste um ponto importante, aparentemente um nó. Como os judeus podem sentar-se à mesa de negociações com membros de um grupo contrário à existência do Estado de Israel? Bem, deveriam ser mais compreensivos. Eles também não querem um Estado palestino. Em 16 de fevereiro de 2004, Ariel Sharon afirmou que Israel jamais entregaria os principais assentamentos na Cisjordânia para um futuro país palestino. Na semana passada, o atual primeiro-ministro, Ehud Olmert, foi mais explícito: “Nós conservaremos os maiores blocos de assentamentos (na Cisjordânia) e manteremos Jerusalém unida”. Acrescentou ainda que os dois lados do rio Jordão continuariam território israelense. Com estas anexações, o Estado palestino ficaria inviável, totalmente cercado por Israel e sem fronteiras com os países vizinhos. Um autêntico bantustão. Não há muita diferença entre não aceitar um país ou só aceitá-lo emasculado. De qualquer maneira, o Hamas já deu sinais claros de que sua pregação de “delenda Israel” não é mais pra valer. Sequer mencionou este ponto na sua campanha eleitoral. E Ismael Haniya, um dos seus principais líderes, foi muito claro ao declarar em entrevista a jornal grego: “Será que alguém acredita que nós poderíamos usar nossas armas para destruir um país que tem F-16s (moderno avião americano) e 200 armas nucleares?”. No momento, a situação ainda está tensa. As ameaças de cortes de ajuda feitas pela Comunidade Européia e pelos Estados Unidos e de retenção de taxas alfandegárias (dinheiro que legalmente é dos palestinos) feitas por Israel não ajudam a acalmar os homens do Hamas. Mas os elementos mais equilibrados devem prevalecer. O Hamas sabe que foi eleito pelos programas sociais que presta à carente população dos territórios. Ela lhe deu a vitória na esperança de que, no poder, o Hamas teria muito mais condições de promover o bem estar geral. Sem a ajuda financeira ocidental isso será impossível. E não se deve contar com grandes desembolsos dos países árabes. Eles estão interessados no fim da questão palestina. Com isso, o pragmatismo deve acabar abrandando o Hamas. Ele, aliás, já abriu uma porta para as negociações. Embora jurando ódio eterno a Israel e terrorismo sem fim, afirmou que aceitaria uma trégua de 10 anos. Mais difícil será fazer com que Israel entre por esta porta. O candidato do Kadima, Olmert, parece vitorioso nas próximas eleições. Fortalecido, não terá motivos para abandonar as políticas de Sharon: o muro na fronteira, os assassinatos seletivos e o unilateralismo no desenho das fronteiras de Israel. Não haverá paz assim. Pelo contrário, só tornará o Hamas mais violento. Caberá aos 4 países mediadores do conflito pressionar Olmert para fazer concessões que permitam a volta à mesa das negociações. Como o mais poderoso deles, os Estados Unidos, não é neutro, não se deve esperar muito dessas pressões.

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