quarta-feira, 7 de dezembro de 2005

Um estudante de filosofia

Finalmente me livrei daquela bosta (weblogger, terra)!! Deu um pouco de trabalho, mas foi. Algumas coisas não me agradaram por aqui, mas o template continua. E há algumas praticidades na postagem. Eu já estava sentindo falta de ler textos e postar todos os dias. Ah, tive que mudar o nome, porque já tem umplog no ig. Que ruim! Se um dia o Weblogger voltar, eu tento fazer um redirecionamento lá. Tenho que mexer em mais algumas coisinhas aqui, mas por enquanto, vamos indo. Caminhando e cantando. Hoje vou pegar leve com o texto. Bonitinho, levinho. E até todos os dias de novo!

Um Estudante de Filosofia

Gabriel Perissé Conheci recentemente um verdadeiro estudante de filosofia. Chama-se Osmair Camargo Cândido. Profissão: coveiro no Cemitério do Araçá (zona oeste de São Paulo). Aluno da Universidade Mackenzie (bolsista), instituição em que já trabalhou como faxineiro. Aprendeu sozinho a ler em inglês e alemão. Freqüentador assíduo da biblioteca. No dia em que o encontrei, estava lendo um estudo sobre Hegel. Durante 20 anos, entre mais de 400 mil túmulos, aprendeu o que é a vida. Escreve uma literatura que não sei qualificar. Carioca da gema, olhar em contínua admiração, mora em São Paulo porque precisa sobreviver. Mas viver é outra história, viver é ler, pensar e escrever. Bisneto de escravo (e a bisavó era indígena), terminará a sua graduação no ano que vem. Pretende estudar a obra de Sören Kierkegaard em instituição dinamarquesa. Professor voluntário (de redação) no Capão Redondo, bairro da zona sul, argumenta: “do que têm medo muitos que se dizem ‘solidários’ e ‘cristãos’, mas não fazem o que eu, que creio pouco, faço por consciência do dever?” E continua, enquanto subimos uma ladeira em direção à estação do Metrô: “A liberdade está em fazer aquilo que se deve fazer.” Ele é kantiano num Brasil tão pouco iluminista. O conhecimento lhe traz a felicidade dolorida que ambientes rarefeitos não experimentam mais. “Sempre soube que a filosofia entraria na minha vida.” Estamos dialogando como nos tempos em que se acreditava na busca da sabedoria. E ele me pergunta: “Você aceitaria ter todo o dinheiro do mundo e apenas mais três dias de vida?” Minha resposta é rápida. Nego o dinheiro, e me agarro à vida. Osmair denuncia meu egoísmo. Se ele, Osmair, tivesse no bolso todo o dinheiro do mundo, o distribuiria com justiça entre as pessoas e seria o homem mais feliz da terra por saber exatamente quando chegaria a Inevitável. Quem diria, ele também é estóico. “A verdade atrai... e a mentira possui.” Estou lendo Osmair ou Nietzsche? Tomando café num barzinho repleto de estudantes universitários (gritos... gargalhadas...), o pensador observa. Com tristeza e ironia, murmura: “não vejo nenhum livro entre os copos...” Não consegui dormir na noite posterior à conversa com Osmair. Fiquei chocado por encontrar um verdadeiro estudante de filosofia. Seu realismo, seu amor às idéias, sua sinceridade total me fizeram pensar. Pensar em carne viva tira o sono de qualquer um. Gabriel Perissé é autor do livro recém-lançado Elogio da Leitura, pela Editora Manole Do site do Correio da Cidadania

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