sexta-feira, 9 de dezembro de 2005

Câmara dos Deputados - Ruralistas são a Hegemonia do Atraso

João Alexandre Peschanski da Redação do Jornal Brasil de Fato Os senhores da terra controlam a Câmara dos Deputados e barram projetos de interesse popular, como a reforma agrária. A afirmação, repetida em diversos períodos da história do Brasil, adquire tom mais dramático no mandato de Luiz Inácio Lula da Silva. Porque a influência da bancada ruralista aumentou durante o seu governo. Manifestação da força dos fazendeiros foi o desfecho da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) da Terra, em 29 de novembro. Os ruralistas, maioria na CPMI, rejeitaram um relatório, apresentado pelo deputado federal João Alfredo (Psol-CE), que não atendia a seus interesses. Em seguida, aprovaram um texto alternativo, apresentado por Abelardo Lupion (PFL-PR), propondo, entre outras medidas, uma lei que considere crime hediondo a ocupação de terra, principal forma de pressão dos movimentos sociais que atuam no campo. De acordo com informações do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), a maioria dos cerca de 6.424 assentamentos, base de projetos de reforma agrária, teve origem em ocupações. No dia 6, parlamentares que defendem a reforma agrária se encontraram com alguns ministros, como Márcio Thomaz Bastos (Justiça) e Miguel Rossetto (Desenvolvimento Agrário), e Hina Jilani, representante especial da Organização das Nações Unidas (ONU) para os Defensores de Direitos Humanos, e lhes entregaram o relatório apresentado por João Alfredo na CPMI da Terra. Abuso de Poder Para a deputada federal Luci Choinacki (PT-SC), que participou da entrega do documento, é preciso denunciar, nacional e internacionalmente, a ação dos ruralistas na Comissão. "Os fazendeiros têm uma força desproporcional na Câmara e abusam de seu poder. A criminalização de movimentos sociais, intenção deles no relatório da CPMI da Terra, é um meio para barrar a reforma agrária", afirma Luci. Para os deputados comprometidos com a mudança social, acrescentou, resta denunciar a truculência dos ruralistas e articular grupos que defendam os direitos humanos e a democracia. A força dos fazendeiros não é um resíduo do passado. Tampouco é algo desarticulado. É a expressão moderna e organizada da hegemonia do atraso. De fazendeiros e empresários agrícolas que se articulam para preservar, intactos, seus privilégios. A avaliação é do cientista político Edélcio Vigna, do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), que estuda e acompanha as estratégias e as ações da bancada ruralista. Segundo Vigna, a bancada ruralista é composta por 73 deputados federais, de um total de 440. Os expoentes são os que conquistam visibilidade por sua truculência (veja quem são)Para defi nir os ruralistas, o cientista político usa as declarações dos próprios parlamentares, que constam do Repertório Biográfico da Câmara dos Deputados. Vigna considera que os auto-proclamados ruralistas tenham a capacidade de reunir, na defesa de seus projetos e interesses, cerca de 120 deputados. Composição Múltipla Segundo o estudioso do Inesc, os partidos que compõem, majoritariamente, a bancada ruralista são: PMDB, PP, PFL, PSDB, PL, PTB e PPS. Na base dessas agremiações, estão os deputados que apóiam o grupo no Congresso. Para Vigna, a bancada ruralista não é uma organização formalizada dentro do Congresso. "Não tem líderes definidos. Não tem normas de organização. Não tem regimentos de comportamento ou períodos de reunião. Não tem plataforma. Não é um todo orgânico institucionalizado", explica. Ele define a bancada como um conjunto suprapartidário de deputados que se articulam em defesa de seus interesses localizados, sujeitos a fl utuações conjunturais. Segundo o cientista político, a linha da bancada depende de orientações de duas entidades: a Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), quando está em pauta a política agrícola, e a União Democrática Ruralista (UDR), em relação à reforma agrária. Luci Choinacki considera as entidades como "a expressão do que há de mais violento na sociedade brasileira, pois são responsáveis pela morte de muitos trabalhadores rurais". De acordo com dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT), entre janeiro e agosto deste ano, foram assassinadas 28 pessoas em conflitos agrários (leia mais). A linha dos deputados ruralistas é negociada e adotada por senadores. Um deles, Alvaro Dias (PSDB-PR), presidiu a CPMI da Terra e, segundo Luci, manobrou para garantir a aprovação do relatório dos senhores da terra na Comissão (veja lista de alguns senadores ruralistas acima). Concentração Luci avalia que o centro da questão é a estrutura fundiária brasileira. "A concentração de terras no Brasil é desumana e ilegal. A estratégia dos ruralistas é impedir que isso seja debatido e transformado", explica. De acordo com dados do Incra de 2003, as 32.264 grandes propriedades (com mais de 2 mil hectares) correspondem a menos de 1% do total de imóveis, e controlam 31,6% dos 420 milhões de terras disponíveis. Para Vigna, a bancada se articula quando seus interesses estão em risco, como no caso de crises agrícolas ou de discussões sobre reforma agrária. "Isso faz com que o Congresso Nacional, pilar da democracia, não seja mais do que um hospedeiro para as posições totalitárias dos ruralistas. Ou o governo democratiza a terra, ou setores conservadores vão continuar usando a democracia para impor sua força e o poder do atraso", conclui.

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