sexta-feira, 16 de dezembro de 2005

Os Dilemas e as Ilusões da Cirurgia Plástica

Esse texto hj tá show de bola!! Pra comemorar o fim de semana! É um médico dando uma entrevista sobre plásticas estéticas e sua venda na mídia... Do que é vendido como beleza. Nossa! Simplesmente maravilhoso!

Os Dilemas e as Ilusões da Cirurgia Plástica

Um dos cirurgiões mais respeitados do País critica a forma como essa intervenção médica perdeu a função reparadora para se tornar cada vez mais estética e carregada de falsas promessas Por Riad Younes do site da Carta Capital Não é preciso ir muito longe nem pesquisar muito para notar o fenômeno estranho que toma conta de nossos ambientes. Mulheres lindas, em fotos ou em filmes, fazendo propaganda de clínicas de cirurgia plástica nos jornais, nas revistas, na televisão e até em outdoors, estampados nas paredes de prédios imensos. Elas divulgam a clínica e oferecem os procedimentos cirúrgicos com descontos, financiamentos, ou até mesmo na forma de consórcios. A cirurgia plástica parece mais uma mercadoria a ser vendida do que um problema a ser resolvido. Por sua vez, cirurgiões plásticos aparecem com freqüência em programas de televisão propagando suas técnicas inovadoras, seus resultados extraordinários. Com um pouco de curiosidade e acesso à internet, é possível checar quem são esses médicos e se seus resultados foram comprovados. Na maioria absoluta das vezes, as informações divulgadas não têm nenhuma correspondência com os fatos. E, pior, as técnicas tão alardeadas nunca foram testadas ou, se testadas, não mostraram vantagem nenhuma sobre o que se sabe, e o que se pratica na rotina da cirurgia plástica ao redor do mundo. É caça ao paciente. É venda descarada de ilusões. Para a maioria dos médicos, isso parece no mínimo esquisito. Na entrevista a seguir, Marcus Castro Ferreira, professor titular de Cirurgia Plástica da Faculdade de Medicina da USP, faz um balanço de como está a especialidade atualmente, suas dificuldades e suas controvérsias. Ferreira é um dos mais renomados cirurgiões plásticos do Brasil, reconhecido internacionalmente por sua qualidade técnica e acadêmica e admirado no meio médico por sua avaliação crítica e científica da medicina contemporânea. CartaCapital: Como se define, atualmente, a cirurgia plástica? Marcus Castro Ferreira: Definir a cirurgia plástica já é um problema. Ao contrário de outras especialidades médicas, ela não é topográfica, isto é, não é restrita a um órgão no corpo. Diferentemente da cirurgia cardíaca, que se focaliza em tratar problemas do coração, a plástica tem objetivos muito mais amplos. É quase a cirurgia geral externa do corpo humano. Ela pretende corrigir eventuais desvios da forma externa do corpo. Tem como objetivo a estética, a forma ideal do corpo humano. CC: Como se define o que é normal, na forma externa, para saber o que é um desvio do normal? MCF: Esse é um grande problema. Às vezes, o desvio da forma externa pode ser óbvio, o que chamamos de deformidade acentuada. Por exemplo, a criança nasce sem uma orelha. O objetivo do cirurgião plástico é fazer outra orelha, o mais próximo possível da orelha normal. A reconstrução de uma mama operada por câncer, para reproduzir a forma do seio que foi retirado. À medida que as técnicas cirúrgicas avançaram, os resultados ficaram cada vez melhores e os objetivos acabaram ficando mais ambiciosos. Agora, no caso da mama, não basta reconstruir a mama retirada para ficar semelhante à oposta. As mulheres querem também modificar a mama normal, para ficar mais “bonita”, mais “ideal”. Então, criou-se o conceito da cirurgia estética. Filosoficamente, a cirurgia plástica seria o campo mais sofisticado da medicina. Alcançar a beleza ideal. CC: O que é o ideal? MCF: Os critérios são muito vagos. O que é normal? O que é beleza? Os objetivos são definidos por critérios indiretos, subjetivos. Como comparar resultados se não temos critérios ou valores fixos considerados “normais” ou “ideais”? Cirurgiões plásticos divulgam suas técnicas dizendo que são melhores do que as outras. E como se avalia uma coisa assim? Academicamente, isso é muito difícil. A rigor, o objetivo estético é muito difícil de ser usado como evidência científica, pois não está bem definido. Usamos critérios psicológicos: melhorar a qualidade de vida. Esse seria o objetivo da cirurgia plástica em geral. Aumentar a auto-estima, a qualidade de vida e integrar socialmente a pessoa. Na cirurgia estética, os objetivos não são tão claros. É diferente do tratamento de uma queimadura, por exemplo. A cirurgia plástica não tinha um sentido estético, procurava reabilitar socialmente a pessoa. Ela só conseguiu ter um desenvolvimento maior à medida que as técnicas ficaram mais sofisticadas. CC: Quando a cirurgia plástica começou a se focalizar mais na estética? MCF: A cirurgia plástica deixou de ser vista como problema médico quando aumentaram as cirurgias estéticas. A cirurgia estética não foi coberta pelo sistema de saúde governamental, muito menos pelos convênios médicos, mas somente por meio da medicina privada. Criou-se, então, uma área dentro da medicina: a cirurgia estética. E automaticamente começou o marketing direto. O interesse dos médicos virou-se para a cirurgia estética. A cirurgia plástica reparadora foi praticamente abandonada. A formação de cirurgiões plásticos também sofreu muito desde aquela época. No Brasil, a maioria das faculdades de medicina não tem formação de cirurgia plástica. A formação dos especialistas é deficiente. Há um desinteresse do profissional. Os convênios pagam mal os procedimentos de cirurgia plástica reparadora. A maioria dos cirurgiões plásticos opera no próprio consultório e o custo não é competitivo para o mercado. CC: Poucos brasileiros teriam acesso a esses profissionais da medicina privada. MCF: No Brasil, existe um enorme contingente de pacientes não assistidos. Em Fortaleza, havia 500 pacientes com defeitos congênitos graves para serem operados. Espantosamente, dois desses pacientes tinham idade acima de 70 anos. Olhe o absurdo. A pessoa nasceu com o defeito e não conseguiu tratamento durante mais de 70 anos! CC: E ao mesmo tempo há essa enorme exposição da cirurgia estética. Por quê? MCF: Primeiro, existe uma distorção da mídia. As prioridades inverteram-se. Se um marciano chegar hoje à Terra, vai achar que a celulite é mais importante do que a queimadura. Essa seria a percepção que ele teria, que é o que todo mundo fala, da celulite. Parece um problema de saúde pública. Agora já virou o foco de interesse não somente do médico, como da própria televisão e da mídia, que usa aquele gancho para poder faturar. O interesse é no produto, como algo comercial, e não médico. A cirurgia estética tornou-se um objeto de consumo, cada vez mais separado do ambiente médico. Porque uma amiga fez, a outra tem de fazer também. Então chega-se a esse absurdo. Qual é a percepção, hoje, da cirurgia plástica? Em primeiro, a promoção mercadológica. Em segundo, criar sonhos. O sonho de ser jovem eternamente, o sonho da beleza ideal. A cirurgia plástica não é uma cirurgia no corpo, mas no cérebro. Modifica-se a personalidade da pessoa com o bisturi. É a cirurgia da vaidade. CC: E a lipoescultura? Esse é um conceito complicado para a medicina? MCF: O pior de tudo é a escultura em matéria viva, como se fosse possível você pegar o corpo humano e modelar, como se fosse uma escultura. Um brasileiro inventou a lipoescultura. Perguntei a esse cirurgião: “De onde você tirou isso?”, ele disse: “Eu não sei”. Ele se sente um Michelangelo fazendo a Pietá. Mas no corpo humano sabemos que não funciona assim. De repente acontece um hematoma, uma necrose, e o resultado muda drasticamente. Tenho visto isso cada vez mais freqüentemente no meu consultório, complicações e insatisfação. A cirurgia estética hoje é uma cirurgia banal e fútil, e a expectativa quanto aos resultados é irreal. CC: Cirurgia estética virou um comércio? MCF: Parece que sim. No Brasil, baixaram o preço da cirurgia plástica. Tem ofertas à prestação, em 10, 20, 30 vezes. E a qualidade? Quem avalia? Quem checa? Há muita propaganda enganosa que não reflete a realidade. Muitos cirurgiões mentem descaradamente na televisão. Prometem o que não dá para realizar. CC: Não existe nenhum controle sobre esse tipo de atitude? MCF: Temos, atualmente, dificuldade com a cirurgia estética. Dificuldade de definir o bonito. Dificuldade de avaliar os resultados cirúrgicos de forma objetiva. Aí entra o controle ético, que já está se começando a discutir, e quem está errado, em geral, é o cirurgião. O limite ético deve existir. O cirurgião deve se policiar para não entrar no exagero. O paciente é o elo mais fraco, então vamos informá-lo. Existem cirurgiões plásticos de baixo nível, comerciantes. A cirurgia estética existe, com indicações claras em muitas situações. Sem exageros. Temos visto o absurdo de moças de 18, 20 anos, colocando prótese mamária para ficar parecida com uma pessoa famosa. Essa pessoa não tem problema nenhum. Suas mamas já eram simétricas, normais. Para que colocar uma prótese numa menina de 23 anos? Como o cirurgião aceita um trabalho desses? É difícil justificar. Por outro lado, o desejo de juventude eterna é uma temeridade; já que não se consegue, vamos pelo menos disfarçar. CC: Faltam estudos bem elaborados cientificamente para provar os benefícios eventuais da plástica? MCF: Parece um absurdo. Para todos os tratamentos da medicina, a pesquisa clínica e a prova científica são uma exigência, menos aqui, na cirurgia plástica. Ninguém aceitaria um medicamento contra câncer sem os devidos estudos. Para cirurgia estética, basta uma propaganda na televisão e todo mundo engole. Isso inclui cremes anti-ruga, drenagem linfática, mesoterapia etc. Nada comprovado, mas vendido por aí. A drenagem linfática, por exemplo, é difundida para melhorar a celulite. A celulite já é uma coisa que não existe como doença. Criaram um problema e divulgam sua solução. Estão inventando métodos que não existem. Se fôssemos pensar em extremos, a polícia deveria vir e fechar esses lugares. Será que isso é medicina? Uma paciente teve uma complicação com o Botox, aí ela foi reclamar no Conselho Regional de Medicina. Perguntaram por que estava reclamando e o que queria quando foi aplicar Botox. Ela respondeu que queria rejuvenescer. Foi enganada. Algum médico, em plena consciência, está injetando uma droga para paralisar os músculos. É absurdo, mas existe. CC: Existe alguma estimativa de quanto se gasta com esses tratamentos? MCF: Ninguém sabe ao certo. Certamente, somas muito grandes. Mas acho que ninguém quer saber. É uma pena.

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